terça-feira, 20 de setembro de 2016

Tem Cambeses por padroeiro o apóstolo Santiago, cujo dia festivo é já nos fins de Julho, um tempo em que a terra desabrocha em frutos e marca o início de uma época de fartura, porque é época de colheitas: ”Pelo Santiago pinta o bago…”

Como é do conhecimento geral, nesses recuados tempos da Idade Média, o culto de Santiago (ou São Tiago ou Sant’Iago) era muito intenso, e peregrinar até Compostela era desejo de todos os católicos, embora poucos, por razões várias, o pudessem fazer. Por isso, felizes se consideravam os que visitavam esse local e peregrinação, crentes de que se tornariam homens diferentes, porque mais perto da salvação.

Assim, durante séculos, peregrinos vindos de vários pontos da Europa, chegavam a Compostela depois de terem percorrido longos e demorados caminhos, dos quais ainda hoje se conhece o traçado, bem como se conhecem algumas albergarias e pontes que, à custa de donativos, se ergueram para que os peregrinos mais facilmente chegassem até ao túmulo do Santo.

Dos caminhos que atravessavam Portugal, os mais conhecidos são os da orla marítima e aqueles que demandavam Braga e Barcelos, e daí se dirigiam para o norte, pelo interior do Minho. Mescla destes dois será um que, vindo do sul até ao Porto, seguia até Rates, e daí a Braga, para depois prosseguir em direcção à Galiza. Sendo assim é de admitir que este caminho passasse muito perto de Cambeses ou mesmo por terras de Cambeses.

Ao longo desses caminhos, muitas foram as terras que, associadas a esse peregrinar, tomaram por padroeiro Santiago e, nas suas igrejas, colocaram símbolos desse culto, bem como a imagem do Santo. Cambeses, que já então assim se chamava, adotou Santiago para padroeiro, e é esse o principal sinal, a par de nomes de lugares como Santo André e Carreira, que hoje temos da sua adesão a esse peregrinar.

Diga-se a propósito que, em Barcelos, a devoção a Santiago, profunda na Idade Média, esmoreceu, segundo a opinião de ilustres estudiosos, desde que o milagre das Cruzes aconteceu, e a devoção ao Senhor da Cruz tomou a dimensão que hoje se conhece.

Em Cambeses, a devoção a Santiago deve, igualmente, ter esmorecido, ao dar lugar à devoção ao Senhor dos Passos, cuja capela data de 1678. Só assim se explica o quase esquecimento do seu padroeiro e a ausência de uma confraria tão bem estruturada como o é a do Senhor dos Passos.

Desconhece-se se em Cambeses, na Idade Média, o culto de Santiago teve a dimensão própria da época. Desconhece-se igualmente se a antiga igreja, situada um pouco a sul da que hoje ostenta a data de 1721, teria gravados, nas suas pedras, símbolos do culto a Santiago, tal como não há notícia de albergarias, nem tão pouco de pontes, porque o rio Este, de tão manso e pequeno, não se opunha a que o atravessassem a pé, em tempo de poucas chuvas.

No entanto Santiago está, como orago, na freguesia e a sua imagem venera-se, não só no interior da igreja, mas também no exterior, à esquerda do santuário do Bom Jesus, em local bem visível. Trata-se de uma estátua, fruto de arte popular, cujo autor se desconhece. Está colocada num pedestal, no alto de um penedo e voltada para a freguesia, como que a abençoá-la, o que indicia ter havido uma devoção acentuada ao Apóstolo.

Seria no entanto supérfluo estarmos aqui a especular sobre a importância de um culto ou outro, ou tentar demonstrar até à exaustão que, de facto, um dos caminhos de Santiago passou por Cambeses porque, para além do significado particular das confrarias, ou dos caminhos de Santiago, há os valores culturais e espirituais que lhes são subjacentes, os quais, sem dúvida, vão interferir na qualidade de vida dos povos que aceitam e cultivam esses valores. E creio que em Cambeses assim aconteceu.


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 22-7-1993

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