quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Estranharão aqueles que por ventura me lêem que, ao falar da qualidade de vida em Cambeses, não foque a má qualidade de vida que é a passagem por esta freguesia de um miserável curso de água que ainda dá pelo nome de Rio Este,

Não falei e, se hoje o faço, é apenas para me justificar, porque a mágoa que me toma, ao falar do estado deplorável do rio é tão grande, quanto a lembrança que guardo desse rio da minha meninice é doce e suave.

Era um rio bonito, um rio rico de bogas, escalos, barbos, eiroses e até trutas. Um rio onde a garotada, à vinda da escola, em tempo de primeiros dias estivais, se banhava na cristalina “piscina” que era o açude do moleiro.

Um rio bendito que, a correr desde Braga, atravessava o lado sul da freguesia, por entre veigas, onde o milho crescia luxuriante, e foi riqueza num passado ainda recente.

Não falei desse rio nem da sua intensa poluição, porque o problema transcende a freguesia, o concelho, e até talvez o próprio distrito. Remediar este mal será muito difícil. Mas, pior que esta situação é, quem pode, não evitar que outros males aconteçam, porque ainda há fontes de água pura a brotarem dos montes. Ainda há regatos a descer das encostas, milagrosamente cristalinos. Ainda há minas de água pura. Mas por quanto tempo?

O Rio Este está morto. Mas a morte de um rio é diferente da morte de um ser animal ou vegetal. É uma morte que não traz o desaparecimento do ser amado nem, consequentemente, traz o seu esquecimento. O Rio Este está diante dos nossos olhos morto, acusador, cruel como um remorso. E nós, que podemos nós fazer? Salvem-se ao menos as fontes, as minas de águas que ainda há no subsolo, os riachos, porque suponho, não há nenhum rio, presentemente, que não esteja condenado à morte, “só porque uns quantos querem enriquecer depressa e por qualquer preço”, dizem-me. E eu sou levada a acreditar.

Enriquecer, ostentar riqueza, é a meta de certa sociedade consumista. Mas até quando? Qual a nossa autêntica qualidade de vida? Qual?


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 21 – 5 – 1992

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