quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Cambeses não apagou ainda da lembrança a inauguração, com toda a pompa e circunstância, do novo edifício escolar, festa que mobilizou toda a freguesia, orgulhosa deste melhoramento.

Sem dúvida que este ato foi o oficializar de um passo em frente, muito positivo, diga-se, da complexa jornada para uma melhoria de nível de vida na freguesia, cujo marasmo cultural é bem nítido, apesar dos sinais exteriores de progresso, que o são apenas a nível de bens materiais.

Outros passos é desnecessário e também urgente dar. Mas para que isso seja possível, é necessário, antes de mais, um espaço de onde o progresso cultural da freguesia possa ser dinamizado. E esse espaço talvez exista, se a antiga escola, que é pertença da freguesia, for utilizada para esse fim, uma vez que, segundo penso, está desactivada e em breve será um montão de ruinas, se não se utilizar em proveito da freguesia.

Se de facto houver esse espaço disponível, pessoas com entusiasmo e amor à terra natal há em número suficiente para concretizar essa dinamização, da qual Cambeses necessita mais do que à primeira vista poderá parecer. Aliás, muitas freguesias há que já têm o seu salão de convívio, onde se realizam atos, não só culturais, mas também pedagógicos porque, para um povo, tão importante como os bens materiais, é saber utilizá-los em equilíbrio e harmonia, para o bem da saúde do corpo e do espírito.

Gostaria de deixar este assunto à atenção de quem de direito, porque se Cambeses melhorou o seu nível de vida económico de forma bem visível, é necessário, agora, que se trate de melhorar o nível cultural que, em alguns aspectos, tão pouco cuidado está.

Há freguesias deste concelho que têm, como já disse, o seu centro de convívio e têm também os seus grupos culturais, onde têm lugar o folclore, o teatro, a música, o artesanato, a biblioteca e até, por vezes, um pequeno museu etnográfico.

Porque não o há de ter também este antigo concelho rural e couto de homiziados, que é hoje a freguesia de Cambeses?


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 2-4-92

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Falou-se já aqui, por mais de uma vez, na qualidade de vida, no que diz respeito à instrução em Cambeses, no passado, aspeto este bastante positivo, mesmo quando Cambeses, em consequência das leis que extinguiram os coutos, sofreu grandes transformações administrativas.

Mas se Cambeses, com a revolução liberal, perdeu o seu poderio, ao perder as prerrogativas de couto de homiziados e concelho rural, não perdeu o privilégio de ter uma escola das primeiras letras, pois a Câmara de Barcelos chamou a si os encargos com a instrução nesta freguesia, já que a integração dos coutos na alçada das câmaras municipais possibilitou a penetração do poder concelhio urbano no mundo rural.

Dos velhos professores que Cambeses teve, o primeiro nome que se conhece é de um tal José Venceslau Sequeira Vilaça, em 1839. Residia em Ruilhe e, por carta régia de vinte e quatro de Outubro de mil oitocentos e cinquenta e três, é nomeado professor de instrução pública, para a escola de Cambeses, ficando a cargo da Câmara Municipal de Barcelos as despesas com esta nomeação. Em 1862 é ainda professor desta freguesia.

De outros que se lhe seguiram, quero salientar aqui um nome que me foi fornecido por um venerável ancião desta freguesia, Camilo Gomes de Sá, que dedicou os últimos anos da sua vida a registar por escrito testemunhos e memórias várias, apontamentos preciosos, não só pelo amor que aí se demonstra por Cambeses, mas também porque alguns deles são testemunhos valiosos.

E é assim que num deles fala de um professor que, muito jovem ainda, veio para Cambeses, por volta de 1870. Chamava-se João Martins Maciel, casou com uma rapariga da freguesia e aqui leccionou até ao fim dos seus dias.



Este professor teve a particularidade de ter introduzido em Cambeses o uso do arado de ferro, o que veio contribuir para melhorar a qualidade de vida em Cambeses.

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Quis a sorte que, ao participar de um congresso na Universidade do Minho, me viesse parar às mãos um estudo do professor daquela universidade, Dr. Justino Magalhães, acerca da rede escolar do distrito de Braga, no passado, e onde o nome de Cambeses é citado várias vezes.
Um excelente trabalho, que suscitou desde logo todo o meu interesse, e de onde retirei algumas informações que serviram de base para anteriores artigos, e que possivelmente servirão de base também a outros que, acerca do mesmo tema, me propus escrever, trabalho que nos dá uma imagem da qualidade de vida, em Cambeses, há mais de 200 anos, no que diz respeito à instrução.

Como já se disse anteriormente, a vila de Barcelos dispunha regularmente, desde o início de 1700, de uma Cadeira de Primeiras Letras. Mais tarde, por um mapa que acompanha o alvará régio de seis de novembro de mil setecentos e sessenta e dois, verifica-se que Barcelos e seu termo tinham já, nessa época, três mestres de ler, escrever e contar, e ainda um professor de gramática latina. E se entendermos por termo os limites do concelho, é de admitir que uma dessas três escolas tenha sido em Cambeses.

Esta suposição baseia-se no facto de a política do período pombalino ter por objectivo o servir o máximo da população, privilegiando as vilas-sede de concelho e senhorios, coutos e honras. 

Portanto, é natural que Cambeses, como Couto e concelho rural, tivesse sido privilegiado nessa época, com a nomeação de um mestre de escrever, ler e contar, tanto mais que, num mapa de 1727, relativo à rede escolar do distrito de Braga, vem claramente mencionado o concelho de Cambeses como tendo a sua escola das primeiras letras.

E para frisar a importância de nessa época se ter uma escola, basta chamar a atenção para o facto de, e segundo o mesmo mapa, haver então, na vila de Barcelos e em todo o seu vasto concelho, apenas seis escolas das primeiras letras e uma de gramática latina.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 12 – 03-1992

terça-feira, 23 de agosto de 2016

Numa das minhas andanças pela Biblioteca Municipal do Porto, tive nas mãos um volume da autoria do Pe. Carvalho da Costa, presbítero secular que nasceu em 1650 e faleceu em 1715. A sua Corografia Portuguesa, datada de 1706, nela se referindo ao Couto de Cambeses nestes termos:
he abundante de centeyo, linho galego, frutos & bastante vinho, levando o Alcayde Mor os quartos dos frutos da terra. Havia então em Cambeses cento e oitenta vizinhos.
E após a leitura destes fragmentos da sua obra, deixei-me ficar no silêncio da biblioteca, reconstituindo mentalmente um pouco da história deste couto que, embora extinto no século XIX, continuou a ser chamado de Couto de Cambeses ou, simplesmente, Couto. E apesar de ter perdido a sua câmara e tribunal, e outros sinais de Poder, era ainda, nos finais do século passado, e segundo Pinho Leal, no seu dicionário geográfico uma vila, tendo na Casa do Paço o símbolo desse poder perdido.
No entanto o pagamento de foros à antiga casa continuou. Há de haver em Cambeses quem ainda se lembre de ter observado a preocupação dos pais, ou outros familiares, em juntar os valores necessários para pagamento desse foro. E há quem se lembre também de olhar com um certo arrepio as janelas gradeadas, voltadas para o caminho, para lá das quais, dizia-se, fora a cadeia. Cadeia não apenas para os habitantes, mas muito possivelmente também para os foragidos, que vinham de longe, até de Lisboa, ali se acoitarem sob a protecção do alcaide-mor, porque as leis assim o permitiam, protecção que, como é obvio, seria obtida à custa de valores ou de serviços obrigatoriamente cumpridos. Quando não, era a penalização.
Depois novas mudanças surgiram. Um a um, os foros foram sendo remidos, e os habitantes de Cambeses, finalmente libertos dessas obrigações, enquanto a casa lá continuava inalterável. Depois a casa passou a mãos particulares. Nessa altura já o povo tinha deixado de pagar os quartos dos frutos da terra ao Alcayde Mor.
Dela guardo ainda a lembrança das muitas janelas de guilhotina, na sua moldura de granito em arco, a embelezar a longa fachada cor de amarelo ocre, as quais, sempre fechadas, acentuavam o seu ar de mistério.
Lembro-me que, da casa onde nasci e cresci, gostava de olhar essas muitas janelas da casa, para mim carregadas de memórias, algumas tenebrosas, segundo a voz popular, outras de grandeza e poder. Parecia-me então que, para lá das janelas fechadas, emanava da casa um certo encanto, um fascínio alicerçado na dignidade que o tempo sempre empresta às grandes casas.
Depois a casa mudou de donos uma vez mais e foi então que a sua sentença de morte foi lavrada e o juiz que tal sentença ditou, por mais incrível que pareça, foi a Câmara Municipal de Barcelos, da época, atitude de certo modo inaceitável, tanto mais que não se tratava de um desses solares de finais do século XVIII, construído por qualquer visconde que, à custa do dinheiro tivesse obtido um efémero título nobiliárquico e, consequentemente, se apressasse, tal como hoje acontece com os novos ricos, a dar todos os sinais exteriores possíveis da sua riqueza.
A Casa do Paço era de facto diferente. Embora de linhas simples, sem ornamentos barrocos, era uma casa com séculos de história, um elemento importante na história dos coutos em Portugal. Um elemento de certo modo importante na história do concelho de Barcelos, para não falar na história da outrora “vila” do Couto de Cambeses.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 01-02-1996

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Embora um concelho tenha a sua História própria, que o diferencia dos demais concelhos, cada freguesia tem a sua História, feita de pequenas histórias. Assim o compreendeu o Dr. Teotónio da Fonseca, que incansavelmente palmilhou todo o concelho, freguesia por freguesia, consultou arquivos e concluiu essa importante obra, que todos os barcelenses deveriam possuir como quem possui uma Bíblia (salvo o devido respeito), a qual se intitula “O Concelho de Barcelos, Aquém e Além Cávado”. Há tanto que aprofundar na História de cada freguesia, tanto que dorme na poeira dos arquivos! E Cambeses não foge à regra. Este velho Couto, com séculos de História. Por isso me interrogo: “será que nenhum dos jovens que agora estudam História entre outras coisas, e se sente atraído por esta matéria, porque é uma disciplina que atrai, sei-o bem, se ocupará um dia de desvendar todo esse passado desta antiga vila, hoje simples freguesia?

Bem sei que o principal símbolo de um passado importante era a Casa do Paço, e que esta desapareceu irremediavelmente, mas ficaram os arquivos, felizmente. Falta o entusiasmo e a coragem do jovem investigador, porque bem sabemos que esse tipo de pesquisa é moroso e difícil.

Mas sabemos também, o que é pior, que os cursos ou profissões que hipoteticamente poderão dar mais dinheiro, são os que estão na mira de quase todos, para não dizer “todos”. É o resultado deste clima que pelas nossas terras se vive, de uma sociedade consumista, mal-amanhada, egoísta, cujo preço começámos já a pagar (veja-se o nível de poluição que não para de crescer) e que eles, os jovens, vão pagar ainda mais caro que nós.

Deixemo-nos porém de pessimismos que, ao fim de contas, pouco ou nada adiantarão e voltemos à História de Cambeses, para falar do jornal que por volta de 1917, em Cambeses teve a sua sede e, como todos sabem já, “Domingo” se chamava.

Falando deste jornal, falaremos do seu editor, o Padre Peixoto, que carinhosamente trato assim, porque era assim que o ouvia nomear, se acaso era evocado nas conversas dos adultos de então.

E se acaso o trouxe a estas páginas, não foi por motivo fútil ou simplesmente por acaso. Falei aqui do Padre Peixoto porque houve um motivo sério para o fazer, que foi a sua coragem de manter, numa época difícil, um jornal, veículo de cultura, sem dúvida, já que a escola, então menos divulgada que hoje, não chegaria para cumprir a sua missão de educar e enriquecer culturalmente o povo da freguesia.

Não sei se o Padre Peixoto era rico e se era poderoso, para além da sua condição de pároco. Nem sei, igualmente, quais eram os homens mais ricos ou mais poderosos de então, e se acaso teriam nas mãos o destino da freguesia. Sei, isso sim, que se ele fosse simplesmente rico ou poderoso, em relação à freguesia, não seria esse o motivo para aqui me ocupar de tal individualidade, a não ser que a sua riqueza material tivesse sido canalizada para o enriquecimento cultural da população, riqueza que se teria multiplicado e dado os seus frutos, o que não aconteceu.

Portanto recordo-o pelo que fez pela cultura, não muito, é certo, mas em todo o caso louvável. Quanto aos bens materiais que os daquela época possuíam, e deram origem, possivelmente, ao Poder, à ostentação, à vaidade, esses com certeza que há muito o pó da terra os levou consigo.



De toda essa época, da freguesia, ficou o jornal. E a sua memória.




Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 18-04-1996

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Hoje, aqui em Cambeses, nesta tarde domingueira, soalhosa e calma, apetece-me divagar olhando os horizontes alargados pela ausência de folhagem densa que, aliás, se anuncia já, e que é repouso para o olhar e para o espírito. Por isso aqui estou em Cambeses, ou mais especificamente no lugar de Bouçó, bem perto de bouças, como o nome indica. Nome de lugar que só tardiamente começa a ser mencionado nos registos paroquiais, talvez porque só tardiamente ele surgiu, quando surgiram os pinhais que vieram substituir as poderosas matas de carvalhos e castanheiros.

Não admira pois, que o nome de Bouçó passe a ser adotado como o do lugar que abrangia até então o de Agrabom e da Vinha, hoje apenas denominativo de duas casas de habitação, tal como o de Souto, este claramente a indicar a existência dos nobres e alimentícios castanheiros que o pinheiro bravo veio expulsar das encostas, dando assim lugar às bouças. Bouças que ainda hoje largamente se estendem por lugares como Alto de Sardão, Pego, Cova da Raposa, Fontela, entre outras. Bouças onde a primavera desponta agora, nos pequenos lírios azuis e nas abrótegas com que se atapetam os caminhos em dia de visita pascal.

Bouçó “paraíso por que vale a pena ainda lutar” como me incitava ainda há pouco um amigo, companheiro das letras, portuense de nascimento e criação, e que se lamentava por não ter tido o dom de crescer num lugar como o de Bouçó, onde a Natureza se mantém quase intacta no seu estado de pureza inicial.

Bouçó, ali tão perto das bouças densas, protectoras de gaios e rolas, de escassos coelhos e raras perdizes. Bouças poderosas, guardadoras de puras águas, que alimentam fontes, poços e riachos, lugares ainda preservados (até quando?) dessa ganância e cupidez, que proliferam e matam como a peste que, no século proliferou e matou a esmo, por todo o lado, e por Cambeses também, pestes que a ciência combateu e venceu. Oxalá ela pudesse combater essas doenças que cegam os homens e que se chamam ganância e cupidez, coo já se disse, doenças extremamente perigosas, porque levam ao erro, ao crime.

Sim, porque matar um rio ou um simples riacho, poluir irremediavelmente as águas que dessedentam pessoas e animais, é um crime de morte, embora as leis não o considerem ainda como tal. Mas um dia virá, ninguém duvide, em que leis severas serão aprovadas, para punir criminosos de tal jaez. Mas isso só acontecerá quando a situação se tornar desesperada, quase sem remédio. Só que então será quase impossível a cura desse desgraçado rio Este, tal como noutras terras passam o Ave, o Leça, o Corgo.

E se uma vez mais aqui falo do rio Este, faço-o porque é o que mais afectivamente me toca, embora do mesmo me doa a igual sorte desse mítico rio da minha meninice, chamado rio Cávado.


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 6-5-1993

terça-feira, 2 de agosto de 2016

A propósito dos incêndios que, em cada verão, devastam milhares de hectares de floresta, lembrei-me das florestas de Goa, onde é raro acontecer um incêndio, não sei se pelas condições atmosféricas da região, se pela especificidade da flora local, se pela ausência desses motivos de suspeita que por cá se admite sem nenhum resultado.

E ao lembrar-me das florestas não posso deixar de rever, através da memória, essa paisagem variada, com manchas de densa arborização, intercaladas de extensas planuras cobertas de restolho seco à espera das chuvas de junho. E como não podia deixar de ser, revejo destacada, a imagem dos coqueiros, cuja presença é mais intensa que a do pinheiro bravo da nossa terra, uma vez que estes estão circunscritos às bouças, enquanto que os coqueiros, esses, estão em todo o lado: nas matas, nas bermas das estradas, nos jardins e terreiros, sombreando as pequenas casas de habitação, nas praias e sei lá mais onde.

Presença vulgar também é a do cajueiro. Este com a particularidade de ter sido trazido do Brasil para Goa, pelas caravelas portuguesas. O seu fruto, o caju, é de múltiplas aplicações, uma das quais é a da produção de féni, bebida densamente alcoólica, extraída desse fruto que, depois de fermentado é destilado, geralmente de modo artesanal, como tivemos ocasião de observar nas nossas andanças pelo interior.

E a propósito, diria que nos foi dado observar uma outra qualidade de féni, extraída das flores do coqueiro, as quais, cortadas as pontas, são postas a escorrer para uma espécie de bilha la no alto, até onde o encarregado dessa tarefa sobe agilmente pelo tronco, como nos foi demonstrado, para aí recolher o suco dessas flores que, depois de fermentado, será igualmente destilado, de forma rudimentar.

De todas estas árvores de frutos maiores que melões, de casca espinhosa, brotam, não dos ramos, mas do tronco nu da alta árvore, mais parecendo gigantescas deformidades. É, segundo nos disseram, um fruto comestível, depois de cozinhado, como acontece com as nossas abóboras. Das outras árvores não frutíferas, não posso deixar de salientar aquela que mais me impressionou também, a qual é conhecida por árvore das gralhas, e em concani, a língua de Goa, se chama ôôd.

Para os indus, porém, ela é conhecida como a árvore sagrada. Árvore de densa copa, dos seus ramos descem outros, os quais, como dedos sabedores, procuram a terra, penetram-na, afundam-se nela, constituindo assim novo tronco, de onde outra ôôd surgirá, chamando a si parte dos ramos do velho tronco que acabarão por morrer, ou melhor, continuarão a viver no tronco novo que, partindo dos seus ramos, criou no solo novas raízes.

Segundo uma crença muito antiga, ela mexe-se de noite, lentamente. Na sua mansidão vai estendendo os tentáculos que a fixarão à terra: futuros troncos para onde a copa fluirá. E assim sucessivamente, cada vez mais afastada do tronco inicial.

Esta explicação foi-me dada por um goês que não era especializado em nada que se aproximasse da Botânica. Não sei se ele acreditava, ou não, no que nos estava a contar. Mas nós, porque não acreditar?


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 14-9-1995

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Hoje vou falar da minha terra, mais propriamente de Cambeses, para manifestar a minha surpresa quando deparei com um artigo e fotografias num jornal diário do Porto, acerca de Cambeses.

Não sei se o jornalista ficou dececionado por não ter encontrado aquilo que possivelmente esperaria encontrar, ou seja, informações de interesse histórico (insólitas se possível) acerca do lugar chamado Brasil. Não sei. Sei apenas que, lendo atentamente o artigo, me pareceu adivinhar, pelo tom da escrita, algo parecido com “vim a Cambeses perder o meu tempo”. Sem querer menosprezar o trabalho do jornalista (um nome já bem conhecido e que tem feito belíssimas reportagens) também eu, intimamente, lamentei que não houvesse, ainda, nada escrito acerca da história desta terra, cujo nome é mais antigo que o nome de Portugal.

Mas não é só de agora esse meu estado de espírito. Daí ter vindo a coligir, ao longo da vida, todos os apontamentos obtidos das mais diversas formas, acerca de Cambeses, nas investigações a que me dispus para elaboração de uma monografia de Cambeses. O nome "Brasil", como lugar desta freguesia, não me pareceu relevante na história da população, o que se compreende, se se disser que, até há bem pouco tempo, só lá havia uma casa. Acrescento que, presentemente, há sete, o que diz bem de uma certa forma de progresso que ultimamente invadiu a freguesia.

Não me foi possível, por falta de disponibilidade, averiguar desde quando este lugar aparece nos registos paroquiais, mas de certeza que não é tão antigo como o lugar da “Madalena” onde funcionou durante séculos a Casa do Paço, sede do Concelho do Couto de Cambeses, pois que, até a forma arcaica do nome Madalena (Madanela) assim o indica.

Em face de tudo isto, parece-me gratificante ter gasto muito do meu tempo a recolher apontamentos nos mais diversos lugares, como seja em Lisboa, na Torre do Tombo, ou em Braga, no Arquivo Distrital, ou no Arquivo Municipal de Barcelos ou, simplesmente, na tradição popular, destacando desta, a preciosa colaboração que, pessoalmente, quer de forma oral, quer por escrito, me ofereceu o nosso conterrâneo Camilo Gomes de Sá, um nome que a freguesia não pode deixar cair no esquecimento.

E a propósito da recolha desses apontamentos acerca de Cambeses, é com compreensível satisfação que anuncio que o livro irá ser posto à disposição dos habitantes da freguesia e dos que dela andam arredados, no mês de agosto, em data a anunciar.

Perdoem-me a imodéstia, mas é um livro que Cambeses desde há muito merecia. Quis a sorte que fosse eu a escrevê-lo. Outros o lerão. E oxalá que, depois de o lerem, se sintam orgulhosos por descenderem de um povo que, apesar de ter sofrido toda a sorte de vicissitudes que as transformações políticas por vezes causam, soube pacificamente, mas com toda a dignidade, resistir, contornar os obstáculos, permanecer.


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 27-7-2000