quinta-feira, 25 de maio de 2017

MINHAS AVÓS – Memórias

Elas sobem a corrente. Perdem-se a montante
Entre soutos, carvalhais e prados,
Soltam cantigas brejeiras
E risadas de água fresca
Folguedos de romaria…
Lenços de cor as enfeitam
E em noites de espadelada
Sonham com bragais de linho
Cordões de ouro, arrecadas…

Minhas avós diligentes construíram pedra a pedra
A casa, o forno, a lareira,
Seus passos ainda ressoam entre as hortas e a eira
No chão duro da cozinha,
Gestos de pão repetindo.

As minhas avós são belas, faces de milho ceifado
Nos olhos o sol da eira
Nas mãos ternura de brisa. Ou fúrias de ventania.

As minhas avós são fortes.
Se a tempestade as derruba, logo se erguem Sozinhas,
De punhos cerrados a enfrentam.

As minhas avós são sábias, Sabem do pão e do vinho
E das barrelas do linho. E sabem de benzeduras,
De preces e esconjuros.

As minhas avós são férteis.
Parem de dois em dois anos. Às vezes um pouco menos.
De seis em seis vai-se um filho. Às vezes um pouco mais.
Usam de recato na dor.
E em mal contida ternura esboçam mudas carícias,
Essas que o olhar desvenda no doce embalar do berço…
Cantam penas? Cantam risos?

Penélopes elas são. De tormentos sabem bem.
E de muitas fomes contidas e sedes mal apagadas.
Em branda melancolia evocam longes Brasis,
Partilhando solidão e cinzas que o vento não quis.

Minhas avós-coragem, p’la dor derradeira esperando
Não sabem de metafísicas, angústias existenciais,
E não rejeitam o eco da primeira dor sofrida,
Essa dor em que nasceram.

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Como um rio, a vida


Águas revoltas, céu de Janeiro.
Estrelas velidas, prenúncios de sorte...

Águas azuis por entre os salgueiros
Correndo ledas, correndo vão...

Plenilúnio. Erva cidreira.
Rosa de Agosto por sobre as águas.
Rio profundo, águas passadas...
Rio de vida, anelos, desvelos,
Que a vida insiste. E a rosa 'inda existe
Nos cabelos..

Crepitam secas, folhas de Outono,
Ao vento se dão e lá vão tão sós...

Acenos, presságios, fundos suspiros.
Pontes caídas.
Mais largas as margens
Mais perto
A foz.

(Inédito - Maio de 98)

quinta-feira, 11 de maio de 2017

CARTA PARA PABLO NERUDA


Eras jovem e poeta. Eras tão jovem!
Te bastaria erguer a mão para tocar uma estrela,
Num tempo em que o tempo era de rosas.

Depois é o mar.
Altas arribas. Costa mordida pelo sal.
Como um búzio, respiras sonoramente
Lá onde batem as asas das gaivotas,
E a vastidão azul, imensa, é a paz.

Aí na tua Ilha Negra
Praças e ruas não existem. Apenas o mar.
E o céu tão perto “qual doce jacinto azul”…
Na rude falésia, precário abrigo, em pasmo te deténs.
Em rudimentar mesa, escreves
Palavras de amor, coragem e revolta. E em cada Poema voas mais alto.


Por entre folhas secas de outono,
Aí onde renascem as palavras,
Tu e ela, dois rios cujas águas se juntaram, à hora do poente.

Aí, na Ilha Negra,
Vertical como falésia, permaneces
E o clarão do teu labor é aurora boreal.
Com mais ninguém te pareces…

Nostálgicas as horas, soam em cada entardecer violeta
Depois que a música escarlate dos teus versos
Se abrigou na concha do silêncio.


Crua é a madrugada, mordida pelo vento.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Há tempos, alguém que, nas horas vagas, gosta de filosofar teceu estas considerações: Quando inesperadamente o raio cai sobre a árvore e a destroça, resta, após a luz que cega e o estrondo que ensurdece, a estupefacção, o assombro que paralisa; o silêncio. É um momento que irremediavelmente divide o tempo em dois, e nada mais volta a ser como até então. Porque, a partir daí, passa a haver o “antes” e o “depois”.

Foi em julho de 1996 que, neste jornal se publicou o meu último artigo, intitulado “Daqui de Cambeses”. Depois foi o silêncio. Não por razões de menos consideração por esta jornal e pelos amáveis leitores que estranharam a minha ausência, mas sim por razões pessoais que não cabe aqui explicitar.

O ser humano, porém, tem incalculáveis reservas de energia e dia vem em que, contra todas as expectativas, consegue olhar em redor e verificar que, apesar de já nada ser como dantes, o sol continua a brilhar. E há aves pelo meio da folhagem, e há seiva e húmus e vida.

E por tudo isso, e apesar de ter chegado a admitir que não mais seria capaz de voltar a escrever estes despretensiosos artigos que vozes amigas, ao inquirir da razão do meu silêncio, diziam apreciar (a amizade tem destas coisas), aqui estou, afinal, na intenção de encetar um novo conjunto de crónicas, muito ao meu jeito.

O título é outro, o modo de escrever também já não será o mesmo do tempo de antes. Mas o afeto pela terra onde me criei, esse não sofreu alteração. Senti-o com mais agudeza ainda, perante novas provações por que fui obrigada a passar quando o raio caiu de novo e de novo destroçou mais uma árvore.

Foi precisamente a partir desta nova provação que, nos testemunhos de consideração e afeto recebidos naqueles dolorosos dias de setembro passado, pude perceber que, em Cambeses, apesar das transformações exteriores, os valores tradicionais aí estavam inalteráveis, traduzidos no respeito perante a morte, nos gestos de solidariedade, nas manifestações de simpatia, e onde, a par de discreta mágoa, havia sinais inequívocos de amizade.

E então, como forma de agradecimento, porque outra não sei, deitei mãos a um antigo projecto que era, dentro das minhas limitações, deixar em livro alguns apontamentos sobre a minha terra. Por isso revi todos os informes colhidos durante vários anos, com inestimáveis ajudas daqueles que não mais o poderão fazer, consegui juntar a estes algumas outras informações, e a obra foi crescendo e o tempo virá, não muito longínquo, em que todas essas informações, como disse, pacientemente colhidas uma a uma e depois coligidas, tomarão a forma de livro.

Peço aos meus leitores, em especial, que nada terão a ver com Cambeses, me perdoem ter ocupado todo este espaço a falar de mim ( o que não gosto), das razões do meu silêncio, e do livro sobre Cambeses, consequência indirecta desse mesmo silêncio. Trata-se porém de uma obra que, ao ficar ao alcance de todos aqueles que, como eu, aí cresceram, lhes permitirá saber algo mais sobre esta terra que nos ajudou a fortalecer e, de um modo muito particular, nos ensinou a olhar o mundo.


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 3 – 2 – 2000

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Já passaram largos dias, mas a imagem daquela tarde de domingo vivida com os meus conterrâneos de Cambeses está tão presente em mim como se hoje mesmo tivesse acontecido. Talvez mais terna, mais luminosa, porque guardada na memória afectiva, permitindo-se assim analisar, de forma mais serena, a emoção das horas intensamente vividas, tudo o que os meus sentidos, naquela tarde, puderam alcançar.

Sempre acreditei na amizade, sobretudo numa amizade como esta, alicerçada no mesmo chão, onde raízes comuns contribuíram directamente para que aquela tarde de domingo acontecesse. E também os conterrâneos presentes, sobretudo no momento do autógrafo, não perdiam a oportunidade de dizer uma palavra amiga ou de transmitir a mensagem de quem não pôde estar presente e gostaria de estar.

Quanto a nomes, embora gostasse de o fazer, não vou citar nenhum porque, involuntariamente se pode dar origem a situações menos desejosas.

Do êxito daquela tarde de domingo, que aconteceu porque Cambeses assim o quis, falaram os jornais barcelenses, pelo que não vou repetir o que ali foi dito. Mas uma coisa há que não posso deixar de salientar: é, para além da presença dos amigos que de longe vieram, o facto de a imprensa barcelense ter estado marcadamente representada, embora tivesse de percorrer muitos quilómetros para, na periferia do concelho, assistir a um evento de interesse local, depois de, generosamente, ter falado desse ato cultural que à freguesia, sobretudo, diz respeito.

E, refira-se, falaram de um modo que a todos nós, cambesenses, agradou profundamente o que, e para só citar um caso, não aconteceu no artigo inserido num grande jornal diário do Porto, em que o jornalista, como já tive ocasião de referir, apesar da sua conhecida competência, foi pouco feliz nas notas que tomou quando se deslocou a esta freguesia, e menos feliz ainda, no artigo que escreveu acerca da mesma.

Com os jornalistas da imprensa barcelense foi diferente. E tudo isso se deve ao bom profissionalismo desses mesmos jornalistas, a quem não posso deixar de agradecer a simpatia e cuidado postos nas notas que foram tomando para a elaboração do texto. Não pude agradecer-lhes pessoalmente, e dessa minha falta involuntária aqui me penitencio, embora sabendo que compreenderam a razão desse meu impedimento.

E ao mesmo tempo que agradeço à imprensa barcelense, quero agradecer aos meus amigos da cidade de Barcelos que, relegando para segundo plano o convívio com a família, tanto mais que era domingo e o sol brilhava generosamente, convidando a um passeio até à beira mar, não hesitaram em vir até aqui. Não vou citar nomes por razões óbvias.

Mas sei o sacrifício que alguns deles fizeram e o seu empenhamento para que este ato resultasse como resultou. Mais uma vez a todos o meu “muito obrigada”.

Quanto à Monografia, ela aí está, tentando explicar, dentro do possível, a razão de Cambeses ser, ainda hoje, conhecida por Couto, esperando que, a não ser malevolamente (e isso não é possível impedir) os outros, os que não são daqui, se refiram a esta terra com o respeito a que o povo desta freguesia sempre teve direito. Direito ao respeito, direito à admiração, pelo passado de coragem, persistência e fidelidade aos seus valores ancestrais.

Daí o meu orgulho pessoal de ter nascido em Cambeses, como minha bisavó Felícia nasceu, há muito mais de cem anos. Essa mesma terra onde minha bisavó Pilar, nascida na Galiza, quis ficar para sempre, junto dos restos mortais de seu filho Gonçalo.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 3 – 2 – 2000

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Como é sabido, há muitos escritores que são convidados para ir aqui ou acolá com o objectivo de dissertarem sobre este ou aquele tema, sobretudo livros, seja os da sua autoria, seja simplesmente “o livro” como meio difusor do conhecimento. E, a propósito, direi não ter por costume falar nestas páginas da minha faceta de escritora mas, na circunstância, não posso deixar de o fazer.

Vem isto a propósito do seguinte: acedendo a um simpático convite do corpo docente de uma escola barcelense do primeiro ciclo do Ensino Básico, como agora se chama ao antigo Ensino Primário (o qual por sua vez tinha já sido chamado “das Primeiras Letras”), desloquei-me um dia destes a uma dessas escolas, mais propriamente, à escola da Gandarinha, que fica na freguesia de Galegos, S. Martinho, uma terra de artistas do barro, segundo julgo saber.

Confesso que levava comigo alguma apreensão, para não dizer receio, quanto ao modo como iria ser recebida por essa gente de palmo e meio mas, mesmo assim, dispus-me a enfrentar esse grande grupo de gente pequena, embora não sabendo, por falta de experiência, o que me esperaria, tanto mais que aos meus ouvidos continuavam a soar vozes de alguns “velhos do restelo”, que os há em todos os lugares e situações.

Não tardou porém que todos os receios e prevenções de que vinha munida se evaporassem como por magia e, encantada, vi alguns deles aproximarem-se de mim de forma descontraída, como se há muito nos conhecêssemos e, ufanos, chamarem a minha atenção para os quadros expostos, ou seja, os desenhos com legendas que eles haviam feito, inspirados num determinado conto infantil, tendo alguns deles modelado em barro os animais que eram as personagens desse conto muito simples, que um dia escrevi.

E assim, após ter admirado a exposição dos pequenos artistas, foi-me dado assistir à dramatização do referido conto, toda ela desempenhada com muita sensibilidade e arte, merecedora de largos aplausos. Finda esta, os pequenos rostos (mais de cem) cujo olhar curioso e inquiridor me fez sentir como quem vai prestar provas perante um júri exigente e inexorável.

Passado porém o primeiro impacto e afastado o meu breve constrangimento, senti-me agradavelmente surpreendida com a atenção dessas “pessoas tão importantes” (não é ironia) que com a descontração própria da idade me dirigiram as primeiras perguntas. Perguntas bem estruturadas, ordenadas, por vezes imprevistas, as quais tiveram o condão de estabelecer entre nós uma rápida e firme empatia.

O tempo passou quase sem se dar conta e, como sempre acontece, a hora de terminar o nosso convívio chegou e vi-os retirarem-se ordeiramente (com a vivacidade que lhes é própria, evidentemente), sem uma advertência, uma repreensão, um aviso. Foi, ouso dizê-lo, uma experiência que resultou em pleno. Evidentemente que tal não aconteceria se antes não tivesse havido uma conjugação de esforços por parte de todos os elementos da escola, como aliás é indispensável que haja sempre que enfrentem situações que não tenham a ver com as do quotidiano. Que dizer mais? Dizer apenas que gostei não chega, porque me entusiasmei e também me comovi, tenho de o confessar.

Maravilhei-me, acrescento, e intimamente aplaudi o esforço desse grupo de jovens professores que soube encontrar forma de explicar à sua “gente de palmo e meio” a importância do livro e da leitura, incutir-lhe de forma indirecta, que um escritor é um ser humano como outro qualquer, que não vive numa redoma, e que, além de escrever histórias, sabe falar, rir e escutar, tal como os adultos com que eles, no seu dia a dia convivem, de uma forma ou de outra.

E, já de regresso, entregue às minhas reflexões, vieram-me à ideia os companheiros de escola, os da minha geração, que é a da palmatória, esses que, em grande parte, não só têm dificuldade em aceitar os atuais métodos de ensino, como também criticam e reprovam quase tudo o que é inovador, (não nego que haja nos novos programas aspectos que dificilmente poderão merecer o nosso aplauso), mas não podemos criticar a torto e a direito, só porque é diferente.

Por esta razão julgo que, se acaso alguns desses companheiros me lerem, talvez não acreditem na autenticidade das minhas impressões e emoções, e rebatam o meu ponto de vista, mas por aqui me fico. Não quero nem posso enredar-me em teorias que envolvam didácticas e pedagogias, porque correria o risco de revelar ignorância, uma vez que nunca exerci a docência neste nível de ensino.

E, além disso, seria alterar a minha intenção inicial, que é dizer, sobretudo, do meu agrado por ter estado na Escola da Gandarinha e porque fiquei feliz com essa experiência. Em relação aos professores, não posso deixar de testemunhar a minha viva admiração pelo trabalho que executaram previamente, para que esse encontro resultasse como resultou, tanto mais que, segundo julgo saber, uma parte significativa desses alunos provêm de famílias onde possivelmente pouco se falará de livros e de escritores e, muito menos, se perderá tempo com leituras.

Daí a razão de aqui ter vindo falar dessa experiência, porque, bem o sabemos, acontecimentos destes não despertam o interesse de quem tem por ofício dar a conhecer grandes acontecimentos (sobretudo chocantes).

Mas, julgo eu, se por um lado acontecimentos destes não chocam a opinião pública, por outro lado ninguém poderá negar o quanto é agradável falar da beleza de pequenos-grandes eventos como este. E saber-se deles também!


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 6 – 11 – 2000

Anos 60


terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Uma das imagens que de Goa trouxe comigo é a dos seus rios, e entre os quais não posso deixar de evocar o Rio Sal, rio pacífico e lento, semeado de ilhotas, a desenrolar-se em curvas caprichosas, que por vezes o colocam paralelo ao mar.

E foi precisamente num desses lugares entre mar e rio, já perto da sua foz que, há poucos anos ainda, se fez erguer um amplo complexo hoteleiro, o qual se enquadra perfeitamente na paisagem, e uma das razões é ter sido construído, não em altura mas em extensão, daí resultando uma série de pequenas “villas” que mais não são do que amplos quartos com portas directamente para o exterior e varanda aberta sobre as águas límpidas de lagoas artificiais, orladas de buganvílias polícromas, cujos ramos se estendem até às varandas, numa tentativa de suavizar, através desta imagem de frescura e cor, a elevada temperatura do ar, causticante em algumas épocas do ano.

Foi portanto num local onde ainda há poucos anos se agitavam coqueiros e rastejavam cobras por entre ervas duras, que o complexo hoteleiro foi construído sem essas agressões pseudo-arquitectónicas que por cá destruíram já tantas paisagens naturais. E se outra imagem não me ocorresse para reforçar o que aqui se afirma, bastaria evocar a asfixiante Albufeira dos nossos Algarves.

Mas voltando a Goa, a esse complexo hoteleiro, o Leela Beach (passe a publicidade) que me impressionou, não pelo conforto nem pela eficiência do pessoal que, diga-se, estava à altura de um hotel daqueles, mas sim pelo respeito havido pela paisagem envolvente, onde até a cor das construções, o rosa forte, tão ao gosto dos goeses, foi adotado. E um respeito muito especial pela flora local, onde os coqueiros continuam no lugar de sempre, havendo o cuidado de substituir aqueles que, pelas leis da Natureza, vão acabando.

A prova disso é a profusão de coqueiros muito jovens ainda, com frutos quase ao alcance da mão, que dão sombra e frescura às cadeiras em redor das piscinas onde, preguiçosamente, se deixava o tempo correr, e se não havia compromissos que nos obrigassem às necessárias deslocações, ou não apetecia ir até à praia, ali bem perto. Essa praia, antecipada por mata de antigos coqueiros, percorrendo comprida área orlada de coqueiros, boganvílias e tapetes de flores rasteiras, cujo nome desconheço.

Por esta razão, mais que as comodidades que a arquitectura do hotel oferecia, comodidades que em qualquer lugar do mundo se poderá encontrar, impressionou-me este respeito pela Natureza, esta valorização de riquezas sem preço como o são as árvores, por exemplo.

Atitude essa que não surpreenderá quem se detenha a observar o que, de um modo geral, se passa por todo o território goês, ou seja, um claro respeito pelos bens que a Natureza gratuitamente oferece. Um princípio por que se rege a vida naquelas paragens, princípio este que a nossa civilização ocidental parece ter esquecido.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 27 – 10 - 1994


segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Após um curto afastamento das páginas deste jornal, o qual se deve apenas aos muitos afazeres que estas coisas da literatura sempre nos atiram para os ombros (porque nem sempre o ato de escrever se pode reduzir à alegria de criar) por tudo isto, repito, tive de fazer uma curta pausa neste género de escrita, que talvez se prolongasse, se um telefonema amigo não me tivesse feito saber que a minha ausência era notada por alguns leitores, o que me desvaneceu (perdoem a vaidadezinha).

E agora aqui estou, cheia de boas intenções, que é como quem diz, animada do firme propósito de ser mais pontual na publicação das minhas singelas crónicas, que outro jeito não sei.

Claro que não poderei deixar de falar de Cambeses, terra das minhas raízes, presentes tantas vezes nos meus livros, com os nomes que para ela invento. Ainda há pouco, falando eu de Cambeses, numa roda de gente das Letras, me disseram em jeito de provocação, que eu era de uma “terra de escritores” evocando, como é natural, o nome do maior de todos nós, que é o escritor Vítor de Sá, personalidade que o País conhece e admira, dada a extensão da sua obra literária, a sua carreira de investigador e de pensador.

Homenageado em vários pontos do País, nomeadamente em universidades, como me foi dado assistir na Universidade do Porto, o Dr. Vítor de Sá, é praticamente ignorado em Barcelos e, sobretudo, em Cambeses.

No entanto, ele tem um afeto muito especial por Cambeses, julgo poder afirmá-lo. Nota-se na atenção com que ouve e lê tudo o que de Cambeses lhe dá notícia. Ele próprio, escrevendo tem citado, ao referir o tempo da sua infância, os anos que viveu em Cambeses, terra de seu pai e do pai de seu pai, e na memória guarda imagens da grande casa do seu avô, os hábitos de então, a gente cujo viver era bem outro.

E citando este ilustre filho da minha terra, não posso deixar de citar um outro que, sendo da mesma família, tem uma dimensão acentuadamente diferente, porque diferentes foram as circunstâncias que o rodearam ao longo da vida, dificultando-lhe a necessária preparação académica. Trata-se da veneranda figura que, em Cambeses tem ainda muito quem o recorde, e se chamou Camilo Gomes de Sá, e deixou testemunhos escritos de certa importância para a história recente da sua terra natal.

Mas para além destes dois há ainda uma outra escritora, baptizada em Cambeses, jovem ainda, mas já com um livro de ensaio literário publicado, e premiado e, consequentemente, com o seu nome nos ficheiros das bibliotecas do País.

Outros haverá, porque a Casa do Paço acolheu, nas suas venerandas e desaparecidas paredes, homens de cultura e de Saber, que se empenharam para que a vila de Cambeses fosse uma das primeiras destas redondezas a ter escola, e que a população se enriquecesse pelo Saber.

Foi assim que eu defendi, expondo factos concretos, a minha terra, que nem sempre tem sido direccionada para outros bens que não sejam os materiais, daí a ausência de uma só que seja, associação de índole cultural, quando noutras freguesias (e eu poderia citar nomes) se olha e estima esse bem comum que é o património cultural de uma terra, mesmo que essa terra seja uma aldeia idêntica a esta simples freguesia rural, que há muito deixou de ser vila.


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 14 – 12 – 1995