quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Cambeses de hoje, que tem a antecedê-lo muitos séculos de história, também se interrogará, tal como as outras terras, quanto ao seu futuro no novo milénio, que uns vêem com algum receio e outros com muita esperança.

Diga-se a propósito que o tempo presente em Cambeses, nada tem a ver com esse tempo passado anterior à fundação da nacionalidade, em que este pedaço de terra existia já com este mesmo nome. Nem tem a ver, de forma acentuada, com o tempo vivido na primeira metade do século passado, dado que, a partir dessa data, a situação socioeconómica de Cambeses, tal como a de todas s freguesias do concelho, para só falar nestas, sofreu uma reviravolta nunca antes imaginada. A prosperidade chegou finalmente e as classes sociais, em termos de riqueza, ficaram muito menos desniveladas.

No entanto, nem tudo são rosas, e a outra face da medalha aí está, com problemas vários, sobretudo os de ordem ecológica, a atingir predominantemente as águas, e tudo porque a ânsia de lucros imediatos se sobrepõe ao respeito pelos direitos da comunidade, que o mesmo é dizer, da saúde pública.

Mas não são só estes aspectos que nos deverão preocupar. Outros há, que apesar de menos visíveis, não deixam de ter as suas consequências. E uma delas é o quase desaparecimento de algumas espécies de animais, senão vejamos: onde pára toda essa gama de pequenas aves que vinham até cá ou por cá permaneciam? Porque são cada vez menos as andorinhas? E os chascos? E os piscos? E os tordos que em bandos densos ainda há pouco se avistavam no outono? E as levandiscas, também chamadas de boieiras, porque saltitavam pelas leivas que o arado, puxado pelos bois, ia abrindo?

Restam os pardais, embora menos, e até mesmo os melros robustos e desconfiados parecem estar a desaparecer. E tudo, segundo me dizem, por causa dos pesticidas que vieram substituir a tarefa dessas pequenas aves, que era caçar os insectos prejudiciais à agricultura.

Não tenho formação científica para aqui analisar o problema. Por isso me limito a evocar, com os olhos da minha infância, essas pequenas aves e o tempo em que descobrir um ninho de chasco, num silvado, era uma emoção. E procurar outros, nas altas ramadas, era uma aventura. Agora essas pequenas aves, que para além da sua utilidade, enchiam os campos de música e de vida, tendem a desaparecer, sem que nada se possa fazer para deter tal extermínio.

É mais um problema a juntar aos outros problemas de ordem material e relativa gravidade.

No entanto, outros há diferentes mas igualmente de temer. O tal endividamento das famílias, de que se começa a falar nos meios de comunicação social, consequência de uma informação distorcida e de uma publicidade desenfreada e sedutora. Na verdade, o consumismo para o qual muitos não estavam preparados, é em grande parte, o motivo principal da angústia daqueles que se vêem a braços com situações difíceis de resolver.

Mas há ainda os outros, aqueles que, usufruindo de uma certa prosperidade, continuam a sentir-se insatisfeitos, dominados pelo espírito de competitividade (nem sempre no melhor sentido) e pelo tal consumismo que por todo o lado se instalou com intenções de ficar enquanto puder. A tal ponto que “nem os cemitérios escapam” como dizia há tempos um jornalista ainda jovem que, por razões familiares, só agora reparou nesse pormenor.

Defender esse ponto de vista é delicado, porque a atitude tomada pode ser classificada de nostalgia excessivamente conservadora ou até mesmo retrógrada. Por essa razão é dever esclarecer que apenas se quis apontar desequilíbrios que no entanto não serão de estranhar se pensarmos que quase toda a mudança os provoca. Mas muitos desses problemas poderiam ser evitados e outros solucionados, se enfrentados com a necessária isenção, empenhamento e coragem também.

Abordar este tema é delicado, repito, mas pior é ficarmos de braços cruzados, como até aqui tem acontecido.


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 30-3-2000

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