sábado, 21 de novembro de 2015

De Viva Voz


Bernardina


O Seixo Branco




Passagem de Nível



A revolução que há de alterar profundamente o status quo e as mentalidades de Santiago d'Este não teve impacto imediato.
A manhã do dia 25 de Abril de 1974 começou com uma questão mais premente: a vaca da Conceição Manique assustou-se à passagem do comboio e caiu à poça, onde ficou toda a manhã, até que a população unida a conseguiu retirar.
As mudanças acontecem aos poucos e surgem-nos pelo ponto de vista da professora primária que, até ali, fora autoridade, a par do padre e do médico.
O verão quente, o ataque à sede do CDS, as primeiras eleições legislativas e presidenciais, as sessões de esclarecimento... um mundo onde a tradição era a lei choca com o novo mundo onde tudo se deseja novo.

Pedra Angular


Telha Mourisca


Horizontes de Bruma


O vento e as Raízes




por Barroso da Fonte, no jornal Época de 11/12/1973:
"O Vento e as Raízes" de Maria do Pilar Figueiredo

Vão aparecendo, de quando em vez, nomes femininos que às letras dão o melhor da sua intelectualidade. Não são muitas, infelizmente, aquelas que surgem com direito a permanência, embora abundem as tribunas da mulher que se diz fadada para isto e para aquilo, quando nada tem que a recomende, em matéria de literatura. E se pouca são as verdadeiras cultoras das letras, há que bater-lhes palmas e convidá-las para o ariópago em que têm justo cabimento.
É o caso de Maria do Pilar Figueiredo que aparece, pela primeira vez, ao natural, sem recomendações de quem quer que seja, com um livro digno de a consagrar ensaísta de eleição.
Conhecemos pessoalmente a escritora, por ter sido sucessivamente distinguida com os melhores prémios, em certames literários, realizados depois de 1966. Quem se dê ao trabalho de ler a relação dos premiados desses concursos habituais entre nós e que constituem das poucas tentativas de cultura de certos meios, logo depara com o nome de Maria do Pilar Figueiredo, porque efectivamente concorre, sob pseudónimo e é-lhe, por norma, reconhecido o mérito que de outra forma iria parar àsd mãos de nomes familiares  do júri.
É daí que conhecemos Maria do Pilar Figueiredo, das sessões de entrega dos prémios, em que a sua modéstia temperamental se nota, o que mais a valoriza, já que a humildade continua a prestigiar as pessoas.
Ainda nos recentes Jogos Florais de Montalegre felicitámos a notável escritora, pelos troféus conquistados. E uma vez mais nos deu a nobre lição dessa humildade que tão bem assenta nas pessoas, sobretudo em ambientes de entusiasmo.
É desse conhecimento com Maia do Pilar que somos levados a tecer-lhe os encómios devidos, pela obra interessante que tem realizado e parte da qual reuniu no volume a que chamou "O Vento e as Raízes", distinguida pelo S.E.I.T. com o Prémio Revelação 1971.
São catorze episódios, que a autora compendiou, dentre os muitos que possuía e que deram nas vistas do júri daquele organismo oficial. Entendeu-se oportuna a sua publicação e aí temos um livro de estreia que nos afirma o muito mérito da estreante. Maria do Pilar chama-lhes histórias de emigração e, depois da sua leitura nota-se, efectivamente, uma vivência activa dos problemas emigratórios, tão próprios da última década. O conto Maria-Maria que lhe mereceu um honroso prémio num jornal diário, é exemplo expressivo da alta sensibilidade de Maria do Pilar Figueiredo, que redige admiravelmente e que sabe aliar a esse dom artístico a ficção fiel do drama quotidiano. Que belo fragmento de antologia resulta deste conto de "O Vento e as Raízes"! E há mais na obra pouco divulgada, mas profundamente vivida desta mulher que tarde enfrentou o público, mas que muito cedo lhe granjeou o apreço e a simpatia.
Diante de obras como esta, não receamos afirmar que continuam as letras contemporâneas a contar com valores altos, dentre a vivência feminina.







domingo, 15 de novembro de 2015

Notícias de Cambeses: Homenagem a Maria do Pilar Figueiredo

Notícias de Cambeses: Homenagem a Maria do Pilar Figueiredo

Entrevista


Montes e Fontes, 2008




Registamos aqui o texto que Maria do Carmo Sequeira muito gentilmente partilhou no perfil de Maria do Pilar Figueiredo, e que reproduz as palavras que proferiu na sua apresentação do  livro "Montes e Fontes": 

"Montes e Fontes" conta uma história e conta-a na primeira pessoa, nesse jeito narratológico de nos transmitir os acontecimentos através de uma focalização específica, singular e única que acaba por nos envolver emocionalmente, sem nos deslocar para outras visões ou outras possibilidades internas de interpretar o seu percurso ficcional, mas que, paradoxalmente, permite ao leitor uma maior intervenção na análise e uma maior possibilidade de abrir o texto, sob o aparente fechamento do discurso. A temática de uma certa solidão, acompanhada pela presença silenciosa de familiares próximos, cuja expressão significativa não vem sequer dos gestos, mas da proximidade de afectos escondidos e suspensos, quase envergonhados; a vivência de um quotidiano rural que acompanha o Portugal de todas as carências motivadas pela 2ª grande guerra; o Portugal que atravessa a ditadura de Salazar até os anos da revolução e pós-revolução de Abril, esta temática, dizia, encontra-se com uma certa forma de narrar que é também um regresso àquele período incerto na configuração estética, que vai do modernismo ao pós modernismo, sem neste penetrar. Com um intervalo longo no tempo, mas curto no discurso diegético, passado em Lisboa – cidade vista pela protagonista em pequenos ângulos e pequenos fragmentos, como num intervalo de aventura; esta curta fuga a um passado igualmente curto (porque sintetizado) parece existir só para poder explicar o regresso às origens já transformadas e quase desconhecidas, criando ambiguidade na personagem e ambiguidade no leitor, como fusão da própria ambiguidade romanesca…

Homenagem em Couto de Cambeses, 14-11-2015


Palavras do Presidente da APE

Participo com gosto, por este meio, na homenagem a Maria do Pilar Figueiredo, levada a cabo em Cambeses, sua terra natal. A mesma de Vítor Sá, outra personalidade que me é muito cara.

Faço-o enquanto Presidente da Associação Portuguesa de Escritores, de que é sócia, e em termos pessoais que não deixo de convocar.
Maria do Pilar é uma autora de assinalável bibliografia e uma mulher cujo percurso exprime feixes da luz a reter na presente circunstância: o trabalho desde a adolescência, a formação académica até à Licenciatura em Filologia Românica, o ensino, seu lugar de mérito, exigência e dádiva, a intervenção cívica, o labor literário e as vicissitudes. Admiro a pertinácia e dignidade, a lucidez e as realizações de uma vida assim aberta por entre obstáculos, indiferenças e envídias tantas vezes, inconformismos e triunfos.
Chegada à edição em livro já na meia idade, construiu pouco a pouco uma obra que críticos e companheiros de letras reconheceram. De "O Vento e as Raízes" ao último título seu que pude ler, "A Doce Flor do Hibisco", identificamos, acima de tudo, uma narradora atenta aos destinos individuais e às comunidades que privilegia, sítios do mundo ao abandono onde se fundem paisagens, usos e costumes, tempos, figuras e retratos, tradições e rupturas, ritos, imprevisibilidades, dramas, sonhos, conflitos, afectos.
Elegendo temas que, radicando amiúde na ruralidade minhota, projectam os contrastes procedimentais, a resignação e o rasgo transformador, os seus contos e romances, tão próximos dos simples e carentes - da infância à terceira idade e aos emigrantes em busca do pão e de uma existência melhor - excedem os contornos da representação sociológica para se inserirem nos universos emocionais da subjectividade. Irene Lisboa, Ilse Losa, Maria Ondina Braga, para referenciar apenas três das nossas ficcionistas inesquecíveis, não lhe são estranhas. Como não é nela a elaboração peculiar, identitária, de uma escrita em que a procurada singeleza formal não apaga labiríntos do ser, um olhar atento às injustiças, aspirações e complexidades da vida.
Eis, em síntese, o meu testemunho. A saudação a uma amiga que prezo e a quem desejo anos bons e, para proveito dos leitores, os melhores textos em devir.
12 de novembro de 2015
Um abraço fraterno
do
José Manuel Mendes 
Presidente da Associação Portuguesa de Escritores

Palavras do Presidente da A.J.H.L.P.

Texto de Francisco Duarte Mangas, presidente da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto a propósito de Maria do Pilar Figueiredo

A Raiz mais Profunda

Como Rosalia de Castro, décadas antes, traz para as páginas dos seus livros o drama da emigração. "Este vaise i aquel vaise,/ e todos, todos se van:/ Galicia sin homes quedas / que te poidan traballar", escrevia a poeta galega. Da banda de cá do rio Minho, Maria do Pilar Figueiredo, quando enceta a maravilhosa viagem da escrita, dessa temática povoa os seus contos primordiais. As terras pobres, algures na geografia da fome, sempre foram fornecedoras de abundante mão-de-obra barata. Galiza e o Minho partilham, como estigma histórico, da mesma doença. Terras de amos e pobres camponeses, enfim, onde os "direitos" medievais ultrapassam longamente as balizas estabelecidas pelos historiadores. A pobreza, a raiz mais profunda da pobreza, se explica por tais desvarios societários.

Maria do Pilar Figueiredo, como minhota que é e se orgulha de o ser, não podia (nem devia) silenciar as raízes, essa memória da infância a carecer de remissão, de gesto transformativo e, por isso mesmo, libertador. O Minho rural irrompe pois na sua escrita depurada, simples. Aparentemente simples. E na aparente simplicidade da escrita, tecida nessa "sabedoria telúrica e ancestral", encontramos uma das qualidades da ficcionista de cambeses, de Barcelos, de Portugal. De toda a parte. A autora de "Telha Mourisca", como bem sintetiza Alexandre Cabral, "segue a linha admirável de legar à posteridade o retrato minucioso das nossas aldeias onde estão fixadas as belas e por vezes severas e rudes paisagens, e também a humanidade que as povoa e lhes dá vida." Nos seus versos, Rosalia de Castro, para voltar ao início, também convoca o povo das aldeias galegas, as suas alegrias frugais, os seus "campos de soledad", as Viudas de vivos e mortos / que ninguém consolará." Trazer à luz uma realidade, o acto em si de partilha, assume desde logo sentido transformativo. Mostro-te a fome, a solidão, a injustiça derramada na pobre gente: e tu, leitor, a partir deste momento jamais poderás alegar ignorância.

Quando me pediram este breve depoimento sobre Maria do Pilar Figueiredo, de imediato me surgiu no pensamento a autora de Cantares Galegos e Folhas Novas. Entre as poéticas de Rosalia e de Maria do Pilar existem, sem dúvida, muitos pontos de convergência. E não é só o facto do género, de terem nascido numa geografia da fome, dividida pelo rio Minho, e partilhado uma língua de raiz comum. Há algo mais profundo, mas isso é labor de estudioso de outras artes - eu sou apenas amigo da autora de "Horizontes de Bruma"

Conheço a homenageada desde o tempo em que ela exercia funções directivas na Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Início dos anos oitenta do século passado, se não me falha a memória. Não a vejo faz tempo: nem em Vila do Conde, nem no Porto. Há meses, um jovem sociólogo e investigador meu amigo, Bruno Monteiro, falou-me de um autor maldito, quase caído no esquecimento. Esse meu amigo referia-se a Alfredo Carvalhaes, "estranho literato" (nas palavras de Joaquim Domingues) nascido em Barcelos. Nesse dia, além do "estranho literato", descobri uma nova faceta da autora de "Tempo Matinal": a de biógrafa. Pelo Bruno fiquei a saber que, no ano de 2002, Maria do Pilar Figueiredo publicara uma biografia de Alfredo Carvalhaes. Fiquei contente com a notícia. E darei outra que deixará, por certo, Maria do Pilar e o auditório não menos contentes: a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto espera, em breve - com apoio da autarquia de Barcelos - editar, na colecção Memória Perecível, uma antologia da obra poética de Carvalhaes.

Quem evoca os filhos mais queridos, nunca será esquecido. A cerimónia de hoje encerra essa simbólica grandeza. Cambeses agradece à escritora que nunca esqueceu a sua terra, a raiz mais profunda. Os minhotos são assim.

Francisco Duarte Mangas

13 de Novembro de 2015