quinta-feira, 22 de setembro de 2016


Creio que já citei aqui aquela frase ouvida não sei onde: ”Um país constrói-se com homens e com livros”, frase de que me recordei ao ler um artigo, no “Jornal de Letras”, intitulado “Livros e editores”.

Desse artigo, que me deixou pensativa mas não surpreendida, transcrevo aqui uma pequena parte: “Na Noruega e na Alemanha, cada habitante gasta cerca de seis vezes mais em LIVROS do que um português; mesmo em Espanha, gasta cerca de três vezes mais. Portugal está em último lugar, a esse nível, entre todos os países da União Europeia”.

Mesmo tendo em conta os erros de que as estatísticas por vezes padecem, julgo podermos acreditar que há um fundo de verdade nessas afirmações.

E a propósito sou tentada a, um pouco malevolamente, pôr no ar esta interrogação:

- Como vai Barcelos em relação à aquisição de livros?

Evidentemente que não me estou a referir àqueles ricamente encadernados e ilustrados, de alto preço, colocados nas estantes como qualquer outro objecto de adorno, e que estão de acordo com a mobília e o carro de boa marca. Estou sim, a referir-me aos livros que se compram para serem lidos, manuseados, gastos.

Pertencemos a uma geração em que o verbo “ter” e, pior ainda, o verbo “parecer” são conjugados frequentemente, em detrimento do verbo “ser”. E isto acontece até mesmo com aqueles que obtiveram um diploma académico. De facto, muitos deles puseram de parte ideais juvenis, onde a cultura tinha um lugar importante, para acabarem exactamente como os outros: aqueles que, não tendo grande riqueza interior, se preocupam sobretudo com os sinais exteriores de riqueza.

Claro que não podemos esperar que uma cidade, de um momento para o outro, mude os seus hábitos, adote outros ideais, que aprenda a considerar como valores, outros que não só o cifrão, o futebol, o poder político, porque todos eles são extremamente frágeis, falíveis e efémeros até, ao passo que o enriquecimento cultural do indivíduo é perene, ou melhor, dura enquanto a sua vida durar, pelo menos.

Senão vejamos: quem dá notícia hoje dos poderosos contemporâneos de Camões, Garcia da Orta ou Grão Vasco?

Ou, a nível da nossa terra, dos que nos deixaram, quem fala deles, desses poderosos contemporâneos, por exemplo, do nosso eternamente jovem, o poeta António Fogaça? E desse longínquo Garcia de Guilhade?

Poderia deixar aqui muitos outros nomes barcelenses, mas estes chegam para exemplificar. E além disso correria o risco de ser considerada moralista, o que não é minha intenção.

Mas já que comecei por falar em livros, quero aqui lembrar que a FEIRA DO LIVRO de Barcelos está à porta. Não têm descanso já, aqueles que assumiram a responsabilidade de a organizar. Bom seria que muitos mais começassem a aprender o que é o LIVRO e correspondessem, em igualdade, ao entusiasmo sério dos que destas coisas se ocupam, e deste modo dão prova de uma certa riqueza interior.


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 16-6-1994


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