quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Não sei de onde partiu a ideia. Mas se não foi da igreja diocesana, teve pelo menos o seu beneplácito. Refiro-me ao actual costume de encimar igrejas e capelas com uma simbólica cruz cristã, constituída por lâmpadas, e que na noite das zonas rurais, sobretudo, brilha como uma mensagem de esperança e já não nos surpreende. 

Surpreendente foi, na noite coreana, por entre a profusa iluminação da cidade de Seul, termos deparado com algumas cruzes da religião cristã, traçadas a verde pela luz das lâmpadas elétricas. E olhando-as era como se estivesse do outro lado do mundo, e olhasse a cruz que, no alto da capela do Bom Jesus do Monte, brilha luminosamente verde, como mensagem de esperança para esta terra conhecida ainda hoje por Couto de Cambeses, embora do couto que foi, nenhuma memória em pedra haja já, a não ser o portão armoriado, aquele que dava entrada para essa casa carregada de história, onde a Justiça e a administração funcionaram durante séculos.

Mas voltando ao assunto inicial, que é o culto da religião católica em Seul, foi-nos dito por Pedro, o nosso guia asiático, que as religiões cristãs, católica e protestantes, têm muitos fiéis nessa cidade, cuja população excede a de Portugal. Ele próprio nos disse ser católico, daí a explicação para o seu nome, o nome do apóstolo. Daí também a explicação para as cruzes luminosas sobressaindo na noite coreana, como um sinal do Divino.

E, se por si só este facto dá da cidade uma imagem carregada de beleza espiritual, igualmente belo é o facto de povos que seguem credos diferentes como são os dos cristãos e, de entre outros, os confucionistas e budistas, que aqui têm os seus templos e, igualmente muitos fieis, viverem num clima de paz e concórdia, onde a mútua tolerância religiosa, a compreensão e a boa vontade não são palavras vãs numa cidade que, seria de admitir, estivesse muito materializada, dado o seu espectacular progresso, sobretudo a partir da preparação para os jogos olímpicos que, como se sabe, aqui tiveram lugar em 1988.

É, de facto, uma cidade que cresce continuamente e onde os altos prédios de dezenas de andares fizeram de Seul uma cidade moderna, sem no entanto deixar de conservar o mais possível os edifícios antigos, os parques arborizados, os museus e palácios e, sobretudo, as velhas igrejas protestantes e católicas, bem como os templos budistas, para que a cidade não se descaracterize, não perca a sua alma, para se devotar apenas ao lucro desenfreado, ao crescimento selvagem, como acontece entre nós, em cidades e aldeias até.

Todos nós conhecemos ou ouvimos contar casos de igrejas que se descaracterizam em nome do progresso, de prédios veneráveis porque carregados de história, os quais se arrasam porque não dão o rendimento que apetece, etc., acontece todos os dias bem perto de nós, quanta vez, às escâncaras, ou subtilmente ao abrigo de leis que se invocam e, por vezes podem ser interpretados segundo conveniências particulares, com absoluta indiferença pelo património cultural de uma comunidade.

Porque, acima de tudo, para uma certa camada social, o que interessa é o lucro que protege a imagem, o “parecer em detrimento do ser”. O que por vezes, sendo dispendioso é também doloroso, se acaso os sinais exteriores de riqueza não coincidem com a verdade. Estes, para quem a simbologia da cruz, luminosamente verde, tem muito menos importância que a luz real, utilitária, que emana dos vários faróis dos seus potentes carros.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 17 – 2 – 1994

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