quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Há sempre algo a aprender quando visitamos uma terra, quando tomamos contacto com um povo até aí desconhecido. E, muito mais ainda, se se trata de uma civilização de milénios, sempre viva, apesar de todas as vicissitudes que a História registou e as lendas guardaram, como é o caso da civilização chinesa.

Fieis às suas leis ancestrais e aos seus princípios espirituais, eles aí estão, inalteráveis, apesar de tudo, no cumprimento daquilo que consideram os seus deveres, e onde incluem, a par do culto dos antepassados o respeito pelos idosos, os laços familiares.

E, de súbito, vem à memória a imagem que foi possível colher de relance dos cemitérios chineses que vimos dispersos pela Malásia. Sobretudo um deles, na “Colina da Princesa”, em Malaca, chamou-nos a atenção pela sua extensão, e a propósito do qual nos disseram ser o maior cemitério chinês fora da China. Trata-se, realmente, de um cemitério muito extenso, sem o espetro geométrico dos nossos mármores floridos, rigorosamente alinhados, e dos nossos cemitérios ocidentais, dominados, quanta vez, pelo desejo de um certo luxo ostentatório e onde se chama de “entes queridos” aqueles que morreram quase na solidão, ou mesmo na solidão, na fria indiferença de um lar de idosos, longe dos seus familiares.

Nos cemitérios chineses, geralmente em colinas desabrigadas, apenas se vê, assinalando as sepulturas dispersas, um semicírculo em betão ou tijolo revestido a argamassa, tendo no centro uma lápide com o nome, em caracteres chineses. Poderia parecer desleixo ou indiferença pela memória dos familiares se não soubéssemos a importância que o culto dos antepassados tem para eles, bem como o respeito pelos velhos que continuam a escutar como os detentores da experiência, que o mesmo é dizer sabedoria. E porque são escutados e respeitados, porque a sua presença é desejada e eles o sabem, não precisam, os velhos, de ser agressivos, exigentes, intolerantes, porque a família está lá por perto para os atender e amparar.

Mas sendo cuidadosos com os velhos, não deixam, também, de ser solidários entre si. E é sobretudo no estrangeiro que essa solidariedade mais se nota, entre eles, sendo bem conhecido esse conceito com que os outros os distinguem: “Onde estiver um chinês, é esperar, que uma centena deles não tardará a chegar.”

É a importância dos laços familiares a estender-se também colateralmente, a despeito de todas as limitações que as atuais leis, que todos conhecemos, impõem. Solidariedade que espanta a quem os observa. Será porque, desde sempre, as atribulações e o sofrimento estiveram na vida da população, excluindo as camadas ditas superiores?

Seja como for, é difícil para nós, ocidentais, compreender esse povo que, desde sempre, tão fustigado tem sido, até pela própria natureza. (Basta dizer que, em Agosto, em Pequim, as temperaturas do ar são superiores aos 40 graus, e, no inverno, quando a noite vem, o termómetro desce aos 20 graus negativos). E assim sendo, que mais dizer?

Será que a solidariedade só é autêntica quando o sofrimento é colectivo?


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 14 - 4 – 1994

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