quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Da minha estadia em Goa e do muito que aí me surpreendeu e me enterneceu, não posso deixar de destacar um passeio pelo rio Mandovi, um desses passeios oferecidos aos turistas, como aliás é vulgar acontecer em qualquer parte do mundo. E o barco que nos levou a admirar o pôr do sol – era essa a intenção – nas águas largas e tranquilas do rio Mandovi, nada teria de especial, para além da paisagem que nos oferecia, e das cores vermelhas de um pôr do sol quente e rubro como só acontece por aquelas paragens, se não tivesse havido, no programa de animação incluído no passeio, algo que não só alegremente nos distraiu mas também me surpreendeu e enterneceu.

Um programa de animação em princípio destinado a todos os passageiros turistas, indianos uns, outros turistas de cabelos loiros, talvez germânicos, talvez americanos ou nórdicos, não sei.

Sei apenas que o grupo artístico, goês, que a si mesmo se intitulava “Grupo Alegria” depois de se dirigir em inglês ao público em geral, e era bastante naquele espaçoso barco, começou a falar em português, traduzindo o que havia dito já, e acrescentando que o espetáculo era dedicado a um grupo de portugueses que tinham vindo assistir à inauguração do consulado de Portugal. E ainda ele não tinha terminado esta frase, já uma salva de palmas revoava no espaço aberto entre céu e rio. Olhando em redor, pude observar que o maior entusiasmo nas palmas era dos passageiros de raça indiana, embora houvesse gente loira que os secundasse.

Depois foi um suceder de músicas, se não antigas, pelo menos com algumas décadas, como a aportuguesada “raspa”, e sobretudo música popular e folclórica, desde a “Tia Anica de Loulé” ou “Os Olhos da Marianita”, até ao nosso “Malhão”. Momentos musicais a que se juntava a atuação de um grupo de danças que coreografou histórias de pescadores e barqueiros do rio. Finalmente, mudando de traje, eles e elas, trocaram os trajes indianos por outros considerados como regionais portugueses, constando os delas de saia rodada, avental e lenço e os deles da calça e colete pretos, à ocidental, e faixa vermelha à cinta. E assim vestidos dançaram para nós o vira e o malhão, o corridinho e outros, numa interpretação onde o ocidente e o oriente se misturavam, resultando daí um espectáculo onde a ternura e a harmonia se davam as mãos. Surpreendeu-nos, no entanto, ouvir do apresentador a informação de que se tratava, não de música portuguesa mas de “música antiga goesa”. E quem, enternecidamente, não os compreenderia?

Mal escondido ainda, o sol, logo a noite, rápida como sempre, se anunciou, e com ela o final do passeio. E quando, por entre sorrisos trocados com as mulheres de sari e com quem as acompanhava, descemos as escadas a caminho do cais, estávamos felizes, sensibilizados e enternecidos, também. Quem não o estaria?

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 23 – 2 – 1995

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