O lugar, para quem, de um modo geral, tem os olhos habituados à paisagem citadina, é de uma grande beleza, desde que não olhem para baixo, para as águas grossas e negras do rio, vazio de peixe, ele que, não há ainda muitos anos, era um paraíso para os pescadores desportivos.
E foi atravessando a ponte rústica e rudimentar, que mais não exigia o trânsito que por ali passa, que me lembrei de Seul, a cidade coreana do rio Hang Gang, que muitas pontes ali o atravessam. Mas não foi pelo rio nem pela cidade arquitectónica, nem tão pouco pelas muitas pontes, umas antigas, outras modernas e funcionais, que me lembrei de Seul, a cidade do rio Hang Gang.
E lembrei-me de Seul, porque me lembrei do dia em que seguimos por uma das pontes mais modernas em direcção ao edifício mais alto de Seul onde, num dos seus 65 pisos, nos esperava o almoço programado, um almoço tipicamente coreano. E lembro-me da nossa estranheza quando, paralelo à comprida ponte por onde seguíamos, deparámos com aquilo que parecia serem os pegões de uma ponte moderna inacabada.
E antes que formulássemos a inevitável pergunta do porquê da interrupção dessa obra, a jusante da ponte, por onde continuávamos, o nosso guia coreano, que Pedro, catolicamente, se chamava, apressou-se a dar-nos a explicação.
Aquela ponte tinha sido projectada, aprovada e começada a construir sem que ninguém se tivesse apercebido que o local era um abrigo de aves marinhas, que ali costumavam nidificar.
Quando alertados, os homens do Poder, compreenderam que, se a ponte fosse construída, o consequente tráfego iria perturbar a vida das aves, afugentá-las dali, interrompendo assim o seu ciclo de reprodução, mandaram que a obra fosse suspensa. A ordem foi cumprida e o projecto anulado, apesar dos dinheiros já gastos. E a ponte que depois se construiu, a levante da primeira, estava suficientemente afastada da outra, para não prejudicar o ciclo de vida dessas aves.
Atitude de admirar, sobretudo porque se trata de uma cidade voltada para o progresso económico, para a competitividade, para o trabalho. E também é nosso dever apresentar, para a qualidade de vida dos habitantes, porque a dimensão desse género, há de forçosamente reflectir-se noutras situações, onde a qualidade de vida é um dos principais valores a ter em conta.
“Foi assim que pensaram os homens do Poder e da economia bracarense quando permitiram, e continuaram a permitir que a vida animal, piscícola neste caso, se extinguisse de vez? “ perguntou alguém ironicamente, apontando para o rio onde a morte reina há muito. Claro que a atitude de quem poderia evitar ou minimamente remediar esta pequena catástrofe é a indiferença, porque é a mais cómoda. Pior ainda se tem a vida demasiado limitada pelo cifrão. E, penso eu, se por acaso forem a Seul e lhes contarem, orgulhosamente, essa decisão coreana, dos homens do Poder, talvez nem oiçam. E se ouvirem, darão como opinião um sorriso, de cínica condescendência, perante essa atitude do Poder.
Cada um, mais não pode dar que aquilo que possui, não é verdade?
Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 24 – 2 – 1994
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