quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Nunca foi minha intenção falar aqui do escritor Virgílio Ferreira, porque nenhum laço o prende a Barcelos, nem sequer ao Minho, embora saibamos que um escritor dessa dimensão não é pertença exclusiva da terra onde nasceu e viveu. Ele é de todo o mundo.

Mas hoje, ao passar um primeiro olhar pelo Jornal de Barcelos, deparei com a pequena nota, que também poderá ser notícia, da responsabilidade de Virgílio Ferreira, na qual se apontava para o exemplo da Faculdade de Letras do Porto, que não esperou pela morte desse grande escritor, para o homenagear em vida, trazendo até lá estudiosos da sua obra, vindos de diversas partes do mundo, que sobre ela falaram para todos nós.

E porque eu estive lá, na qualidade de participante convidado, e conservo ainda nos olhos e nos ouvidos todo o deslumbramento do que foram esses três dias, não posso deixar de aqui dar o meu testemunho e falar sobretudo da minha emoção que durante esses dias, no tempo de que pude dispor, ter convivido com esse homem de letras que, sendo gigante, se apequenava na sua simplicidade e na tranquila singeleza com que, apesar da enorme fadiga que situações do género por vezes acarretam, sempre esteve presente.

Simpático, atencioso e paciente para com todos os que, sempre que possível, se lhe dirigiam para o cumprimentar, para lhe falar, para o louvar, assim se manteve inalteravelmente, talvez porque é o senhor de uma consciência serena, nos seus 77 anos, completados no primeiro dia do Colóquio. Uma vida já longa de que falou, na sua singeleza tão natural, uma vida com futuro, enquanto os Altos Desígnios assim o permitirem.

Não vou falar aqui do escritor, e muito menos da sua obra literária, que ele continua a produzir, e da qual disse, a propósito, que se passava com ele o mesmo que com a “Académica” da sua mocidade, quando todos entusiasmados com os golos a seu favor, pediam em coro “ Mais um, mais um!” Pedido que a ele sempre fazem: “mais um, mais um livro!”

E foi neste espírito de entusiasmo e admiração que, no final do jantar, que teve lugar, no Hotel Sharaton, os presentes (e muitos eram, e de várias nacionalidades e condição) o aplaudiram na despedida, com um coro de “Mais um, mais um, Virgílio!” quebrando deste modo os formalismos e “poses” que um espaço físico como aquele por vezes impõe.

Alguns dias passaram já e a emoção vai serenando para dar lugar à reflexão. E por isso hoje, ao ler a nota do Jornal de Barcelos sobre Virgílio Ferreira, não pude deixar de pensar nos que em Barcelos, saberão quem é porque, mesmo sendo bastantes, é sempre uma parcela muito pequena da sua população. No entanto, outro seria o panorama, se Virgílio Ferreira fosse nome de jogador de futebol ou hóquei, de político da moda ou até um desses que se passeiam ao volante de carro de alto preço, preocupados com os sinais exteriores da sua fugaz e inglória riqueza. Sim, porque a riqueza do escritor agora homenageado não é fugaz nem inglória, nem se perde pelas aparências.

Quem se lembra dos poderosos contemporâneos de Fernão Lopes, exceptuando aqueles que o seu testemunho escrito deu vida ao longo dos séculos?

Mas voltando ao tema da notícia, que foi consequentemente tema desta crónica, eu direi apenas que este desinteresse pela literatura, por certos valores espirituais, é muito da responsabilidade do Poder que, salvo as excepções que confirmam a regra, tem tendência a investir no que de imediato poderá dar dividendos, que o mesmo é dizer “votos”. Pondo de parte a educação de um povo que olha o livro como um objecto a esquecer após a escolaridade obrigatória.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 18 - 2 - 1993

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