domingo, 9 de outubro de 2016

Falar unicamente de Cambeses talvez não desperte, a nível geral, grande interesse, já que Cambeses é apenas uma das muitas freguesias do Concelho, para mais situada no extremo e, por razões históricas, mais ligada a Braga. Ou, melhor dizendo, à sua Sé Catedral. Mas se Cambeses desperta pouco interesse, muito menos despertará Bouçó, um lugar desta freguesia, tranquilo, onde se vive devagar.

Mas seja como for, apetece-me falar de Bouçó, prometendo no entanto não me deixar levar por sentimentalismos piegas ou saudosistas, inúteis. Também não quero deixar-me tomar de desencanto ou desilusão, porque Bouçó, apesar de algumas alterações exteriores, continua igual na sua essência: um lugar tranquilo, bem perto das bouças (daí o topónimo Bouçó), um lugar de paz, de harmonia, onde era bom ver as crianças crescerem. E muitas foram as que ali nasceram, já neste século XX, e aqui cresceram. E porque eram muitas, e as casas poucas, embora sólidas e espaçosas quase todas, muitas delas, mal saídas da adolescência, seguiam outros rumos. Mas algumas ficaram, jovens já. E outras crianças nasceram depois.

Gerações substituindo gerações, sem empurrões nem atropelos, e muito menos querelas, Porque desde sempre o respeito mútuo funcionou. E o valor da palavra dada. E a entreajuda, se necessária. Disputas judiciais entre vizinhos, se alguma vez as houve, há muito se perderam na poeira dos tempos. Nunca se soube delas nem das hipotéticas consequências, nem tão pouco de relações tempestuosas, fosse a que nível fosse. Por isso posso afirmar que da paz em Bouçó eu sei, desde que me conheço.

Mas perguntar-se-á: “porquê falar de coisas banais, como essa paz em Bouçó, que acaba por ser banal?” De facto, assim seria se algo não começasse a preocupar, tal como a nuvem cinzenta na linha do horizonte preocupa quem prevê tempestade.

É algo que nada tem a ver com gente que no lugar tem fundas raízes, mas antes com alguém que veio de fora para provocar querelas, trazer o desassossego. Não é a minha paz que está em jogo, nada aqui de pessoal. Se assim fosse o meu caminho teria de ser outro, É a paz do lugar de Bouçó, das gentes aqui plantadas, com fundas raízes, que está em jogo. E é, portanto, deste chão, que me sinto impelida a falar, ao mesmo tempo que quero acreditar que o bom senso vai ter lugar. E tudo voltará a ser como antes, com esse passado de harmonia e paz, de solidariedade. Essa paz em que cresci, onde aprendi a olhar a vida de frente, tal como a olhava quem assim me ensinou.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos em outubro de 1994

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