Tínhamos deixado a severa cidade de Pequim, bem como a trepidante cidade de Xangai, trazendo connosco a lembrança de uma certa forma de vida austera e cheia de limitações para quem aí anonimamente vive, sobretudo em Pequim, cidade de poucas flores e muitas árvores de médio porte.
Por isso foi com alegre surpresa que, ao desembarcarmos em Seul, deparámos logo à saída do Aeroporto com a garridice de vasos de petúnias intensamente floridas, alinhadas ao longo do passeio, do outro lado da rua, flores que não esperávamos encontrar na Coreia com tal profusão, sendo como é, e segundo os compêndios de botânica, uma flor oriunda da América do Sul, bem adaptada àquele clima tropical, para satisfação dos coreanos que, segundo nos pareceu, gostam de flores e de recantos ajardinados. E como se as flores que eles cultivam não fossem suficientes, pintam frequentemente motivos florais como decoração, muito em especial nas janelas dos autocarros de turismo, as quais ostentam bonitas grinaldas que funcionam como alegres dísticos de “boas vindas”.
É um detalhe curioso, que nos surpreendeu, tanto mais que Seul, tal como Pequim ou Xangai, é uma cidade demasiadamente povoada, e onde é bem notória a agressividade da indústria e do comércio, tendência que não anula, como seria de esperar, o gosto pela beleza, tanto da natureza como daquela que a Arte proporciona a quem dela sabe cuidar.
Uma cidade de contrastes, da qual falou com entusiasmo o nosso guia coreano, um jovem asiático que viveu alguns anos na Argentina, para onde seus pais haviam emigrado, e que cedo voltou à terra das suas raízes, confiante no futuro do seu país e empenhado em concluir o seu curso de Economia. Pedro, de seu nome, revelou-se um guia experimentado em nos mostrar as belezas da cidade, locais que nada tinham a ver com as ruas modernas, de seis faixas de rodagem e intenso trânsito, perigosas de atravessar, mesmo nas passadeiras com semáforos.
Diferente foi, no segundo dia da nossa estadia, a visita feita ao maravilhoso “Jardim Secreto”, onde se encontra ainda intacto o palácio real, vazio de realezas desde 1910. É um jardim paradisíaco, com belas construções e belíssimos recantos, Aí se passeava o rei, rodeado de muitos servidores e também de intelectuais, sendo famosa a biblioteca então ali existente, e cujo edifício se mantém intacto, bem como o gabinete de estudo, numa pequena e florida colina.
A propósito das camadas sociais da época real, Pedro explicou a curiosa divisão em classes, vigente nesse tempo. Em primeiro lugar, como é óbvio, figurava a família real. Em segundo lugar os intelectuais. Em terceiro a classe popular média, que incluía comerciantes, agricultores e operários. E por último, a classe popular mais baixa, que abrangia criados e, curiosamente, os carniceiros. Estes assim considerados por terem como profissão destruir a vida. Hoje evidentemente que é diferente, e os criados, se acaso ainda os há, são empregados como outros quaisquer, e os carniceiros, simples comerciantes ou industriais, em nada diferem dos demais.
Hoje, diferentes são os passos que percorrem os extensos arruamentos desse jardim Piwon, chamado “Pi”, que quer dizer jardim, e Won” que significa secreto. Jardim franqueado aos turistas sobretudo, que de todo o mundo ali chegam e se maravilham, o que não foi totalmente o nosso caso, porque aqui em Portugal temos jardins de flora diferente, é certo, mas de beleza nada inferior e onde as petúnias dão o seu colorido, a par das sécias e dos amores-perfeitos.
Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 17 – 3 – 1994
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