segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Várias foram as pessoas que indagaram junto de mim, das razões do meu afastamento das páginas deste jornal. Evidentemente que não se tratou de um afastamento, mas antes de uma curta ausência devida, em grande parte, ao amontoar de compromissos com a escrita, compromissos decorrentes, em certa medida, das impressões da viagem que, em tempo de férias, me foi possível efectuar ao longínquo oriente, com destaque para a milenária e misteriosa China, sem esquecer a Coreia e Malásia.

Daí que, ao retomar a minha colaboração nestas páginas, me seja difícil resistir a, uma vez por outra, falar de experiências vividas nessas terras, do outro lado do mundo. Não será propriamente um relato de viagem, mas antes uma ou outra pincelada, a propósito de pequenos incidentes de rua, como por exemplo este que, de súbito, me veio à lembrança. Foi no primeiro dia da nossa estadia em Pequim.

Após a acomodação no Hotel Sharaton, (em Pequim há excelentes hotéis modernos) estava programada uma visita ao Templo do Céu e Pavilhões Imperiais adjacentes, esses magníficos edifícios de telhados azuis de porcelana. E, cumprida esta, atravessámos o parque para, por uma outra porta, atingirmos o exterior.

Foi então, em plena rua, que deparámos com um espectáculo inesperado: centenas de crianças e pré-adolescentes, rapazes e raparigas, em uniforme escolar azul e branco, pejavam o passeio junto do qual, alguns autocarros estavam de portas abertas, sob o olhar de adultos, possivelmente professores, que pacientemente esperavam por aqueles que iriam embarcar.

Em pequenos grupos, trocavam palavras que não entendíamos, mas que nos pareciam afectuosas e não escondiam a emoção própria do momento, em vendo em muitos olhos sinais claros de lágrimas, e nos rostos femininos um ou outro desatado pranto, enquanto apertavam demoradamente as mãos, já que beijos e abraços na via pública, não é expressão de afeto adoptada desinibidamente no oriente.

E até mesmo um grupo que, num largo mais adiante, tocava viola e cantava, num jeito copiado do ocidente, revelava, ao dirigir-se para um autocarro, sinais de tristeza, que os sons sincopadamente alegres da viola não puderam anular.

Ao querermos saber da razão dessa separação, que se afigurava triste para quase todos eles, foi-nos dito que se tratava de um grupo de estudantes japoneses que, ao abrigo de um qualquer acordo, tinha passado uma temporada em Pequim, em convívio fraterno com os seus colegas chineses, do qual resultou uma espontânea amizade entre os estudantes destas duas nacionalidades, bem nítida no momento da separação.

Cena que podia apenas despertar uma terna e afectuosa apreciação, se não fosse impressionante, para além de significativa. E isto pela simples razão de nos lembrarmos que muitos deles serão talvez netos dos soldados que, décadas atrás, se guerrearam mutuamente, com o ódio e a crueldade que as guerras sempre comportam. E a guerra entre China e Japão não foi exceção, muito pelo contrário.

Ia continuar a divagar… inesperadamente porém interroguei-me: E porque não a esperança?

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 20 – 1 - 1994

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