segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Sempre que me demoro na casa de Cambeses, procuro com o olhar, num hábito que vem da meninice, o sopé do monte de Santo André, junto do qual corre o rio Este, ao mesmo tempo que tento ignorar a imagem de miséria física em que ele se tornou.

E foi precisamente num desses momentos que a memória me trouxe a imagem dos rios de Goa, com os quais este pobre rio Este não tem, aliás, a mínima semelhança: rios tranquilos, espraiando-se largamente junto à foz, no mar arábico, dos quais o mais estreito é o rio Sal, de que já aqui falei. Rio no entanto navegado por traineiras que dele fazem porto de abrigo. O primeiro rio que percorremos de lancha, contornando ilhotas de densa vegetação, afugentando gaivotas e olhando as margens, junto das quais dormitam barcos e se aninham casas pequenas, ao lado de medas de palha de arroz, medas semelhantes às de palha de centeio que antigamente por cá se viam junto às eiras.

Terras de arroz. Rio de peixe. Rio preguiçoso que quase todos os dias podia admirar, ali bem perto das nossas instalações. Ao contrário dos outros rios, lá mais para o norte, o primeiro dos quais o Zuari que muitas vezes atravessámos por comprida ponte de branco gradeamento. Rio largo, navegável, embora não tanto como o larguíssimo rio Mandovi, que desagua perto deste, ao lado da cidade de Pangim, sob o olhar atento da colina que “Altinho” se chama, zona residencial nobre da cidade, à qual tivemos ocasião, numa tarde, de subir, para de lá admirar a paisagem urbana que é Pangim e a larga superfície aquática do rio Mandovi junto à sua foz.

Rio que haveríamos de ter o prazer de navegar, num desses grandes barcos de recreio destinados a proporcionar aos turistas um passeio tranquilo, pelas calmas e extensas águas perto do mar, entre a cidade e a montanha, onde no alto se divisa o Forte dos Reis Magos e o farol construído pelos portugueses que, no tempo, foi o primeiro da Ásia. Farol agora desativado, substituído por um outro electrónico, mas que, apesar disso, continua conservado e respeitado, a branquejar lá no alto, como testemunho de lutas entre os homens e a natureza, lutas pela sobrevivência nas águas outrora navegadas por caravelas e naus,

Agora, sulcando a superfície lisa das águas, já não se divisam essas graciosas embarcações seiscentistas, as caravelas. Agora são os pesados e feios batelões, carregados de minério, os que mais sulcam o rio. Esse rio tranquilo, largo e suave. Esse doce Mandovi, como lhe chamam os poetas.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 2-1-1995

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