segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Foi depois de termos atravessado a cidade de Margão, a caminho do interior, que parámos para visitar um museu de arte sacra. Trata-se do Museu de Rachol, instalado num antigo seminário dos Jesuitas, e aberto há pouco tempo, graças à fundação Gulbenkian. É um belo conjunto de construções interligadas, de entre as quais sobressai a imponente igreja, a branquejar, tal como as restantes construções, numa elevação de terreno ajardinado, rodeada de arvoredo, e separada da estrada por um bonito gradeamento, igualmente branco.

Recebidos pelo seu conservador, um jovem entusiasta e já bom conhecedor de arte sacra, pudemos observar o precioso recheio deste museu, ouvir histórias, por vezes curiosas, das peripécias que algumas das peças sofreram desde que foram furtadas até, depois de recuperadas, serem incluídas no recheio do museu, onde estão em segurança.

Outras, quando foi possível reavê-las, tinham já sido mutiladas, como é o caso de uma cruz ali exposta, cujo Cristo em Ouro, bem como grande parte das ornamentações no mesmo metal, desapareceram, dela pouco mais restando do que a cruz, praticamente nua.

Um outro objecto para o qual foi chamada a nossa atenção, felizmente por motivos diferentes, foi uma cruz artisticamente trabalhada, onde se pode observar, como motivos ornamentais, elementos adotados da religião hindu, como por exemplo a imagem do sol, entre outros elementos próprios de objectos de culto naquela região.

Trata-se de peças que, como se imagina, eram executadas a pedido de portugueses, por artistas indianos, que nelas punham, como cunho pessoal, algum elemento da sua milenária civilização. Peças só aqui executadas, raras no mundo, e por isso mesmo admiradas por gente de várias latitudes.

Disso se colheu prova quando, em 1991, na Bélgica, se organizou a Europália, dedicada a Portugal, como muita gente se lembrará. E quem a visitou há de lembrar-se de ter observado, em Bruxelas, grupos de pessoas que esperavam pacientemente a sua vez de entrar num edifício, em cuja fachada se estendia uma faixa com letras suficientemente grandes para se verem de longe e onde se podia ler “De Goa a Lisboa”.

E de facto, quem ali entrasse não saia desiludido porque, desde objectos de pequenas dimensões até a um púlpito de talha artisticamente trabalhada, as preciosidades eram tantas e o deslumbramento acontecia.

Nesse museu de Rachol, ainda em fase incipiente, não há esse esplendor resultante da sumptuosa colecção que em Bruxelas foi possível reunir. Mas é um museu onde é já bem importante a coleção desses objectos de arte. Um museu que promete crescer para que o nome de Portugal não persista nessa parte do mundo, apenas como testemunho de uma época mas como forte laço dos afetos que as convulsões políticas não puderam desatar. Pelo menos até hoje.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 2 – 3 – 1995

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