Desde as barulhentas gralhas que todo o dia nos enchem os ouvidos com o seu vozear rouco e insistente, até às famosas “vacas sagradas".
Vacas pertencentes a uma raça bovina muito resistente que vai comendo o que pode e não necessita de cuidados especiais para sobreviver. Ao contrário do que se pensa têm dono e, geralmente, voltam a casa ao anoitecer sem que ninguém as guie. E em segurança porque ninguém as rouba e, muito menos, as maltrata.
Delas, aproveitam o leite, que é escasso, dado o modo como se alimentam. E como não são fortes como aqueles bois que, ainda não há muitos anos víamos puxando os nossos arados e carros, elas são substituídas pelos búfalos domesticados: animais menos corpulentos, de chifres arqueados como quartos de lua voltados para o dorso negro.
Mas se as vacas são um dos ex-libris da Índia, neste caso de Goa, também há outra espécie de animais, ou melhor, de aves, que em Goa não se podem ignorar: as gralhas, essas que todos os dias nos acompanhavam com os seus gritos cavos, repetidos, a saltitar de ramo em ramo, astutas e precavidas, pelos jardins do nosso hotel, sem que aí nada se fizesse para as afugentar e, muito menos, destruir.
Mas nesse hotel de turismo, embora pertencente a uma cadeia internacional de hotéis, sabia-se cultivar o respeito pelas espécies naturais indígenas como se as normas que o regem fossem apenas goesas. Daí a presença de certo modo inevitável e bem aceite, não só das gralhas, mas também de animais domésticos, desde os cavalos que os hóspedes podiam montar, se soubessem evidentemente, até aos bandos de patos, brancos e barulhentos, que à tardinha víamos cirandar pelos relvados, com a finalidade – disseram-me – de detetar a presença indesejável de alguma cobra.
Se de facto assim é, aí está mais uma prova de como saber usar os meios que a própria natureza coloca ao alcance do homem para combater possíveis perigos, neste caso as cobras. E na verdade, que eu saiba, nunca nenhum hóspede se deparou com essa presença indesejável.
E muitas há em Goa, como em toda a Índia, das quais algumas raças são venenosas, incluindo a temível cobra-capelo que, na feira de Mapuçá vimos, obediente e dócil, erguer-se do cesto do encantador de serpentes sem ultrapassar os seus limites.
Imagem impressionante, com a sua carga de exotismo e mistério, a par de muitas outras imagens, mais acessíveis à nossa compreensão e que, por razões óbvias, sou levada a referir ao longo destas crónicas.
Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 8 – 12 – 1994
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