quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Há por parte dos goeses um carinho muito especial pelos animais, não um carinho exibicionista pelos cães ou gatos de luxo, como às vezes se observa, mas antes uma outra espécie de carinho, onde a compreensão e preocupação pela sua vida estão presentes.

Desde as barulhentas gralhas que todo o dia nos enchem os ouvidos com o seu vozear rouco e insistente, até às famosas “vacas sagradas".

Vacas pertencentes a uma raça bovina muito resistente que vai comendo o que pode e não necessita de cuidados especiais para sobreviver. Ao contrário do que se pensa têm dono e, geralmente, voltam a casa ao anoitecer sem que ninguém as guie. E em segurança porque ninguém as rouba e, muito menos, as maltrata.

Delas, aproveitam o leite, que é escasso, dado o modo como se alimentam. E como não são fortes como aqueles bois que, ainda não há muitos anos víamos puxando os nossos arados e carros, elas são substituídas pelos búfalos domesticados: animais menos corpulentos, de chifres arqueados como quartos de lua voltados para o dorso negro.

Mas se as vacas são um dos ex-libris da Índia, neste caso de Goa, também há outra espécie de animais, ou melhor, de aves, que em Goa não se podem ignorar: as gralhas, essas que todos os dias nos acompanhavam com os seus gritos cavos, repetidos, a saltitar de ramo em ramo, astutas e precavidas, pelos jardins do nosso hotel, sem que aí nada se fizesse para as afugentar e, muito menos, destruir.

Mas nesse hotel de turismo, embora pertencente a uma cadeia internacional de hotéis, sabia-se cultivar o respeito pelas espécies naturais indígenas como se as normas que o regem fossem apenas goesas. Daí a presença de certo modo inevitável e bem aceite, não só das gralhas, mas também de animais domésticos, desde os cavalos que os hóspedes podiam montar, se soubessem evidentemente, até aos bandos de patos, brancos e barulhentos, que à tardinha víamos cirandar pelos relvados, com a finalidade – disseram-me – de detetar a presença indesejável de alguma cobra.

Se de facto assim é, aí está mais uma prova de como saber usar os meios que a própria natureza coloca ao alcance do homem para combater possíveis perigos, neste caso as cobras. E na verdade, que eu saiba, nunca nenhum hóspede se deparou com essa presença indesejável.

E muitas há em Goa, como em toda a Índia, das quais algumas raças são venenosas, incluindo a temível cobra-capelo que, na feira de Mapuçá vimos, obediente e dócil, erguer-se do cesto do encantador de serpentes sem ultrapassar os seus limites.

Imagem impressionante, com a sua carga de exotismo e mistério, a par de muitas outras imagens, mais acessíveis à nossa compreensão e que, por razões óbvias, sou levada a referir ao longo destas crónicas.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 8 – 12 – 1994

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