quarta-feira, 23 de novembro de 2016

 Há dias, em Cambeses, olhando a paisagem de casas novas, incaracterísticas, que pontilham essa paisagem de intensa verdura, construções que, em grande parte, vieram substituir as oitocentistas e venerandas casas de lavoura, lembrei-me de Goa. 

E embora tivesse decidido não voltar a este tema, aqui estou para dizer que me lembrei, não pelo verde das encostas, mas pelas casas que, involuntariamente, trouxeram até mim a imagem das casas residenciais, que em Goa se denominam “casas portuguesas”, porque na sua traça têm muito da arquitectura ocidental: casas de primeiro andar, com sacadas abertas sobre a rua, e cujas portas envidraçadas ostentam, por vezes, vidros coloridos, de cores fortes, cores tão do agrado dos goeses. Cores que fazem ressaltar o caprichoso recorte das “bandeiras” que encimam as portas e condizem
com o rendilhado, fruto de artístico labor, que é o gradeamento em ferro das respectivas sacadas.

Há em algumas cidades, ruas onde se destacam conjuntos preciosos dessas casas que, se não estão renovadas, também não estão adulteradas, como infelizmente por aqui acontece. Casas que falam da história de Goa e da cidade sobretudo porque, todos o sabemos, são as casas o mais precioso testemunho humanizado da vida de uma cidade ou aldeia. Estou a referir-me àquelas casas com alma, com história, não às que se copiam de revistas estrangeiras com o principal intuito de ostentar riqueza (que às vezes nem é tanta assim).

Mas voltando às casas de Goa. Muitas foram essas casas que pudemos observar nas ruas de Margão, de Pangim e outras, mas só numa tivemos o prazer de sermos recebidos pelos donos, o casal Pereira de Bragança, na povoação de Chandor.

Com uma gentileza de trato inexcedível, o Dr. Pereira de Bragança, goês de muitas gerações, e advogado por formação, pertencente à família Pereira de Bragança, fez questão de explicar que a casa esteve sempre na posse da família Pereira de Bragança, e que a sua geração era já a décima segunda. E embora as mudanças políticas, que em Goa se processaram, lhe tivessem tirado muitos dos rendimentos que alimentavam aquela grande casa, construída num tempo em que, na India, ainda havia vice-reis, eles, por um apego sem limites às raízes, continuavam a lutar por a manter intacta e bem conservada, como tivemos ocasião de admirar.

De facto, se a casa exteriormente é bela, o seu interior é mais belo ainda, com o seu chão de mármore ladrilhado brilhando impecável, a condizer com as portas envidraçadas, o seu valioso recheio constituído por preciosos móveis, candelabros e lustres, porcelanas, e a nota familiar de várias fotografias de membros da família que por ali passaram ao longo de muitas gerações, e cujo brasão está esculpido no espaldar dos cadeirões – o mais belo e imponente, como se compreenderá.

Já à saída, tivemos ocasião de, uma vez mais, observar do exterior este magnífico edifício, com as suas muitas sacadas de portas envidraçadas a abrir sobre a extensa faixa de jardim que o separa do largo da aldeia onde se ergue um cruzeiro e, ao fundo, a igreja, a fazer ângulo com a grande casa.

E demorando o olhar na comprida fachada de muitas portas envidraçadas, lembra-me dessa malograda Casa do Paço, do Couto de Cambeses, cuja fachadas, se não tinha o mesmo esplendor, tinha igualmente a dignidade, a alma, que o tempo empresta às grandes casas

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 18 – 1 – 1996

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