segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Foi na cidade histórica de Velha Goa que, tal como me havia já acontecido em Malaca, me lembrei, de súbito, de Cambeses.

Não pela paisagem, evidentemente, nem pelas pessoas, indianos na quase totalidade, que circulavam pelos espaços verdes que abundam entre as grandiosas igrejas desta antiga cidade, outrora capital de Goa, e hoje apenas, e muito é, uma cidade museu.

Lembrei-me de Cambeses porque a primeira igreja que nos foi dado visitar foi, precisamente, a Basílica do Bom Jesus. E lembrei-me apenas por causa do nome, porque no interior não encontrei, como na igreja de S. Pedro, em Malaca, os andores com o senhor dos Passos e a Senhora das Dores. Nesta igreja, construída sob a invocação do Bom Jesus, um outro culto nasceu e se instalou de tal modo no coração dos goeses que não pode ficar ignorado. O culto de S. Francisco Xavier que, como se sabe, morreu longe dali, e mais tarde foi trazido incorrupto para a velha Goa, assim de mantendo ao longo dos anos, até aos dias de hoje, repousando na sua urna de vidro com o único braço, o esquerdo, pousado sobre o peito, já que o outro, o direito, foi decepado e enviado a Roma, para que não se duvidasse da sua incorruptibilidade, sinónimo de santidade, numa altura em que o povo goês o tinha já canonizado e, fervorosamente, venerava os seus restos mortais.

Veneração que ainda hoje continua intensa, viva, tal como em Malaca, terra onde S. Francisco Xavier, homem de extraordinária energia, se devotou à cristianização dos povos orientais. Um santo que possuía tal poder de persuasão, que Malaca, cidade do vício e do crime, se deixou disciplinar pela força da sua palavra.

Como nota curiosa e exemplo vivo da devoção a S. Francisco Xavier, são muitos os Franciscos que podemos encontrar em Goa, nome aí tão vulgar como era, até há poucos anos, o nome de Maria em Portugal.

Disseram-nos, ainda, que é de tal modo profunda a devoção que os goeses têm por S. Francisco Xavier, que até muitos goeses ligados ancestralmente ao hinduísmo, lhe prestam o seu culto. Não sei até que ponto isto pode ser verdade, sei, isso sim, que muitos eram os indianos, famílias inteiras com crianças, que ali estavam, no interior do templo, demorando-se diante do altar onde o túmulo do apóstolo se encontra.

Aliás, nenhum outro motivo deveria haver para os trazer até ali, porque a cidade de Velha Goa, hoje cidade museu, com as suas grandes igrejas e os seus espaços verdes, onde não há casas comerciais nem de habitação, não tem nenhum outro atractivo para lhes oferecer, a não ser a devoção ou a atração que o mistério da sua incorruptibilidade representa.


Publicada no Jornal de Barcelos de 24 – 11 – 1994

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