quinta-feira, 3 de novembro de 2016

Não tarda que uma nova época balnear surja e, com ela, a animação das praias, com carros a chegarem, logo de manhã, pelas estradas que à beira-mar vão dar. É o bulício, o ruido dos motores e claxons, a multidão ansiosa e alegre ao começo da manhã, fatigada e impaciente nas filas, à hora do regresso.

Assim em todas as praias. E um pouco mais nessa que foi a praia do meu fascínio em tempo de infância: a Póvoa de Varzim. Praia de mais fácil acesso para quem, naquele tempo, vivendo em Cambeses, podia utilizar o comboio até lá, sem incomodidades nem preocupações de maior.

Dias que a memória afectiva guardou, sem outros que se lhe pudessem comparar em beleza: a beleza desse mar das marés vivas de agosto, a arremeter pelo areal, ameaçador, poderoso. Um mar até hoje inalterável, e que é o oposto desse outro que, lá tão longe, conheci: o mar da China. Um mar calmo na baía de Aberdeen, um mar apetecido, não fosse a ameaça de tubarões, apesar da rede defensiva a todo o comprimento da praia, protecção que não deixa tranquilo quem queira aventurar-se nessas águas tépidas, irmãs dessas outras que se tem de navegar, se estando em Hong Kong e se deseja conhecer Macau.

O “jet-foil” que faz a ligação entre os dois territórios é rápido, seguro e tão confortável como o interior de um avião. E o mar é calmo e tranquilo para quem o olha: um mar muito belo, de um verde tenro, a condizer, não só com as ilhotas desertas que se vão encontrando ao longo do percurso, mas também com as montanhas costeiras do território chinês, cobertas de vegetação rasteira, montanhas poderosas que, no seu conjunto, tornariam a paisagem austera, se não fosse o verde húmido, acetinado, que as reveste, desde os cumes até à linha de água.

Águas verdes, da cor do jade, num mar sempre igual, que só se altera na cor, com a aproximação de Macau ou, mais propriamente, com a foz do Rio das Pérolas, cujas águas barrentas dão outra tonalidade ao mar que se vai navegando.

Mesmo que não venha a propósito, recordo as margens desse mesmo rio, admiradas mais tarde, de perto, quando percorríamos a cidade.

Esse rio que, em parte, separa a cidade das terras da velha China continental, terras agressivamente defendidas por arame farpado e rede, a desencorajar qualquer desembarque ou fuga ou simples escapadela para, em Macau, dar satisfação a um vício tão do agrado dos chineses: o jogo de azar. Vício que na China não é permitido satisfazer, nem tão pouco em Hong Kong, a não ser nos jogos de apostas, nos hipódromos, tão do agrado dos ingleses, como é sabido.

A sedução da roleta, porém, é, para muitos mais forte, porque imediata. Por isso são os chineses de Hong Kong que vão a Macau, atraídos pelos casinos, cujo movimento, disseram-nos, é comparável a Monte Carlo ou Las Vegas. Não sei se há exagero nesta afirmação. O que sei é que o movimento é intenso, daqueles que ali chegam para arriscar a sorte, e quantas vezes dar motivo a histórias dramáticas, como essas que, no tempo da minha infância, ouvia contar acerca dos casinos. Histórias de fortunas ganhas numa noite e logo esbanjadas. Histórias de fortunas herdadas e definitivamente perdidas à roleta, fortunas desbaratadas, com seu cortejo de dramas familiares.

E hoje?

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 24 – 3 – 1994

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