quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Ainda tinha comigo, vivas, as imagens que, do Oriente trouxera, quando surgiu, inesperadamente, uma daquelas oportunidades que só em casos muito especiais se pode desperdiçar: uma viagem que tinha como finalidade, entre outras, a de assistir à inauguração do consulado de Portugal em Goa.
Efetuada a viagem, por ali nos demorámos cerca de duas semanas e, já de regresso, ao dispor-me a contar o que vira e observara, verifiquei que era difícil ordenar as imagens que comigo trouxera porque quase todas, senão todas, estavam envoltas por uma afectividade impossível de anular. Era como se tivesse visitado velhos parentes, que só de nome conhecesse, e daí resultasse escutar a inevitável voz do sangue. Essa voz quase sempre poderosa. Por esta razão só agora consigo falar dessa Goa aonde cheguei num propositado estado de quase ignorância.
Tudo o que de Goa sabia era o que na escola aprendera e o pouco que os meios de comunicação, de longe em longe, me vão dando a conhecer. Não procurei informar-me, não fiz leituras prévias, não me debrucei sobre compêndios, porque queria chegar a Goa nesse estado de quase inocência que costumo adotar quando visito uma terra pela primeira vez. E isto porque prefiro sobrepor o prazer da surpresa, da descoberta, ao prévio conhecimento, que sempre nos coloca numa posição de avaliadores entre o que sabemos e o que constatamos “in loco”.
Para mim, é muito mais aliciante receber, sem qualquer defesa, todas essas impressões e sensações, todo esse acumular de sentimentos que, na circunstância, geralmente se experimenta, e deste modo, simplesmente me surpreende maravilhar-me, indignar-me até, se for caso disso, razão porque ia ávida de conhecimento, expectante e receosa também. E um dos receios resultava precisamente de saber que nós, portugueses, durante séculos, fomos “os tais colonizadores, cruéis e déspotas, expulsos pela força” como alguns teimam em, deste modo, ver a nossa presença lá.
Por essa razão, estava mais ou menos preparada para enfrentar alguma antipatia e até animosidade por parte dos goeses. Mas cedo vi que estava enganada, porque muitas foram as provas em contrário, algumas das quais bastante curiosas e enternecedoras.
Provas de apreço, não só no hotel onde ficámos alojados, mas também nos convívios que, por vezes, nos eram proporcionados e até em plena rua. E, a propósito, lembro-me que, numa das cidades de Goa, ao negociar na rua, a compra de uma dessas bugigangas que sempre nos tentam, a vendedora, uma mulher de sari, perguntou-me, em inglês, se eu era italiana. Disse-lhe, quase a medo, bloqueada ainda pelas falsas ideias em mim conservadas, que era portuguesa, e logo o seu rosto se iluminou de um largo sorriso e exclamou: “Oh! Nice!”
É um caso pontual, evidentemente, que nada teria de significativo, se outros não tivesse presenciado ou vivido, e que talvez um dia aqui venha a relatar.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 15 – 9 – 1994

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