terça-feira, 8 de novembro de 2016

Nítidas, persistentes, agora, muitas das imagens que de Goa trouxe comigo, pelo que forçosamente sobre elas irei escrever. Não um relato linear, minucioso, da viagem, mas antes impressões colhidas ao acaso e que a memória foi guardando. Imagens desordenadas que surgem por vezes de modo imprevisto, à medida que tento reconstruir factos ou simples impressões sobre o que me foi dado observar.

E Goa, onde chegámos ao fim da manhã, logo nos ofereceu, ao olhar, um conjunto de imagens que, no entanto, a fadiga não permitiu que apreciássemos devidamente. Fadiga agravada pelo calor pesado, saturado de humidade e pela longa espera que tivemos de suportar nas precárias instalações alfandegárias, perdidos em arredada burocracia.

Neste estado de espírito, cada vez mais impacientes e irritadiços, só ao fim de longuíssima hora pudemos transpor o último umbral do edifício alfandegário. E dominados por essa indisposição, a que se juntava a falta de sono, não conseguíamos corresponder como devíamos aos primeiros sorrisos goeses que, à saída do edifício nos aguardavam, levando-nos a quase ignorar o colorido dos saris e a gentileza do gesto com que nos ofereciam colares de flores, a troco de escassas rupias.

Portanto foi com alívio que, já instalados no autocarro, o sentimos pôr-se em marcha e seguir por uma estrada estreita, ladeada por extensas planícies cobertas de restolho, de secura. Uma paisagem de acordo com o nosso incómodo humor, a qual mal olhávamos da janela do autocarro, viatura obsoleta e ronceira, sem ar condicionado nem qualquer outro tipo de refrigeração, que tivemos de suportar ao longo de uma hora de viagem, atravessando matas de coqueiros, aldeias e a cidade de Margão, na qual mal reparámos, apesar da animação do seu mercado ao ar livre, repleto de frutas e legumes. Uma paisagem penosa que nem a gentileza dos sorrisos goeses, nem a curiosidade pela paisagem que lentamente íamos atravessando, nem a afabilidade do pessoal de transportes tinha conseguido amenizar. Uma viagem desgastante, que por vezes nos remetia para uma misericordiosa sonolência.

De súbito, porém, tudo se transformou como por encanto. Algo de imprevisível, feérico, se nos oferecia na visão esplendorosa dos maciços polícromos de buganvílias que, à entrada do extenso recinto, se estendiam pelos muros e vedações que delimitavam o espaço do hotel (o Leela Beach) onde nos aguardavam.

Era o oásis, quase irreal, que de imediato parecia fazer-nos esquecer as agruras da longa viagem que continuou ainda, por comprida área florida, ladeada de canteiros viçosos até que o autocarro se deteve num largo, onde sobressaíam exóticas palmeiras de leque, idênticas às que, em Singapura, tínhamos podido admirar.

E quando nos foi dado escutar, nesse pequeno largo, a água cantante dos repuxos do tanque circular, pintado de cor de rosa como as fachadas dos edifícios do complexo hoteleiro, e pudemos, enfim, repousar nos amplos salões da receção e deixámos que o olhar vagueasse pela vegetação, através das largas janelas e avistámos as águas cintilantes de uma nesga de mar, então sim, acreditámos que tinha valido a pena tanta incomodidade.

Aquele era realmente o oásis desejado. Real, acolhedor, fascinante.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 22 – 9 – 1994

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