quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Pela sua extensão e densidade populacional creio poder comparar-se a Índia com esse outro gigante que é a China. Mas, se sob o ponto de vista político, as diferenças são muito grandes, sob o ponto de vista religioso são maiores ainda, como se sabe.

E embora a forma de poder desses dois países seja diferente, talvez o oposto uma da outra (deixo isto ao cuidado dos estudiosos da política do nosso tempo, já que a minha formação académica é outra), é possível, a nível de rua, encontrar semelhanças, se me basear no que os meios de comunicação, acerca da Índia nos dão a conhecer, e nas informações que em Goa fui obtendo, e comparar esses elementos com a imagem que de Pequim e Xangai guardo, nos arquivos da memória.

E pensando num e noutro povo, pergunto-me se, realmente, o povo da Índia, que formiga pelas ruas das grandes cidades, aquele que dorme nas ruas, vive nas ruas, morre nas ruas, será mais livre que aquele que igualmente formigando pelas ruas de Pequim e Xangai, calado e ordeiro, segue a caminho de um emprego que mal lhe dá para a tigela do arroz. Povo que também dorme na rua, quando o calor é sufocante, já que grande parte das casas não tem o mínimo de condições para nelas se viver, mal dando para ali procurar refúgio quando, no inverno, a temperatura desce a muitos graus abaixo de zero.

Tornar o povo da China livre de se exprimir, atenuar as diferenças sociais, não é impossível. Pela força seria até praticável, e a esperança de ver esse povo livre, como o do Japão ou da Ilha Formosa, não é utopia.

Na Índia, porém, é difícil, senão impossível, atenuar as grandes diferenças sociais, as desigualdades tão acentuadas, porque a dominar este povo de civilização igualmente milenária que vive no respeito pela sua ancestralidade, os seus mitos, as suas antigas leis, está, não um governo com mãos de ferro, mas as suas próprias crenças, a sua profunda religiosidade.

Este povo que aceita voluntariamente continuar pobre, porque pobre nasceu e acredita que os seus males só em futuras reencarnações poderão ser atenuados.

Devo dizer, no entanto, que em Goa, apesar de ser Índia, não há essa miséria impressionante de Nova Deli ou Calcutá. Há pobreza, evidentemente. Miséria, não. E embora a presença de alguns pedintes em Goa seja um facto, parece, segundo me disseram, tratar-se, na quase totalidade, não de goeses, mas de indianos de outros estados, que para ali vêm de vez em quando.

Portanto há pobres, e os pobres de Goa aceitam, também eles, a sua pobreza quando a há, não com a confirmação forçada ou a revolta dos ocidentais, mas antes como algo de natural e inevitável, sobretudo se são hindus. Uma filosofia de vida que nós, ocidentais, não podemos entender em toda a sua extensão e profundidade, mas que temos obrigação de respeitar.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 13 – 4 – 1995

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