sábado, 5 de novembro de 2016

Estive há pouco numa vila raiana, antiga fortificação militar, onde assisti a um simpósio que podia ser um simpósio igual a muitos que, nesta especialidade ou naquela, sempre vão acontecendo pelo país fora.

Mas não era um simpósio igual a tantos, e a diferença estava precisamente na VOZ. Voz que, naqueles três dias, que foi o tempo que o simpósio durou, se fazia ouvir para lá das palavras. Não era a voz das pedras gastas pelos muitos passos que as percorreram, nem a voz dos que, em defesa da vila, ou melhor, da pátria, ali tombaram.

Naquelas horas de estudo e de reflexão, a VOZ que se fazia ouvir, muito forte, muito pura, era simplesmente o apelo das raízes. Não é produto de retórica nem simples devaneio, isto que aqui se afirma, porque a VOZ estava lá, real, nas vozes dos que, serenamente, falavam do amor à terra. Amor dito com palavras e comprovado com factos.

Estava no empenho de uns quantos, decididos a que a vila cresça, mas de forma harmoniosa, sem agressões no seu património arquitectónico. Decididos a que o concelho progrida economicamente mas longe dessas ambições e sofreguidões que destroem os bens essenciais à vida, como o é a água, para não falar noutros. Decididos a que o concelho se modernize sem prejuízo da sua identidade cultural.

E sei que o vão conseguir (e muito conseguiram já) porque estão tomados de amor à sua terra, obedientes à voz do sangue, presos pelas raízes que, naquele chão pedregoso se afundam. E embora poucos, eram muitos, porque fortes e esclarecidos.

E julgo não usar de indiscrição se, para melhor exemplificar, identificar alguns deles, dos quais destaco o presidente da edilidade, homem dali, da terra beirã de seus avós, ali nascido e embora mais tarde radicado em Lisboa, tudo lá deixou para, na sua terra, melhor lutar por ela.

Presidente eleito e reeleito sucessivamente, não porque é deste partido ou daquele, mas porque é o Homem que as populações idealizaram e querem. Homem que sobe, incansavelmente, escadas dos ministérios de Lisboa, que percorre corredores, que espera à porta dos gabinetes e, como não se resigna a regressar de mãos vazias, volta daí a pouco a atravessar o Terreiro do Paço, a subir escadas, a esperar à porta dos gabinetes, e tudo o mais é secundário para ele.

Um outro homem digno de menção era alguém que do Brasil tinha vindo, propositadamente, para ouvir falar da terra de onde partira menino ainda, ele que, mesmo longe, jamais deixara de se documentar sobre a sua terra, o que lhe permitira já escrever dois livros sobre a sua história. E falava em doar a sua biblioteca, que julgo valiosa, e falava em Casa de Cultura, em animação cultural dentro daquelas históricas muralhas.

Igual entusiasmo se via na voz do ilustre compositor, professor de música e padre, que fez questão de nos levar a ouvir música da sua aldeia “a aldeia mais pequena de Portugal”, segundo disse. E havia o exemplo espantoso daquele jovem casal, ele arquitecto e ela professora de inglês que, deixando Lisboa onde nasceram, cresceram e estudaram, se vieram instalar naquela terra que era a dos seus antepassados, para darem uma nova vida à velha quinta de família, até aí semiadormecida no tempo.

Não se julgue que é romantismo ou simples devaneio o que ficou dito. É uma realidade que tive o privilégio de constatar numa terra beirã que Lisboa não consegue esquecer porque ela está lá constantemente a bater-lhe à porta, a acordá-la, essa terra corajosa. Terra onde a natureza é madrasta se a compararmos com a nossa, esta terra barcelense, terra humosa, de verde e de sol, terra a que Cambeses pertence.

E sobre este assunto muito mais se poderia dizer. Mas talvez o que foi dito seja já suficiente para que alguns sobre o assunto se demorem e possam reflectir sobre os valores que aqui se defendem, se ainda estão suficientemente libertos para o fazerem, evidentemente.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 10 – 12 – 1992

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