segunda-feira, 25 de julho de 2016

Ao falar do que é o actual nível de vida em Cambeses, não posso deixar de ter presente Cambeses de outrora e a quase violência do seu ingresso no universo turbilhante da vida moderna.

Por toda esta região se assiste, e Cambeses não é exceção, a uma exterior mudança comportamental que tem por base a ascenção de uma classe de raízes profundamente rurais que, de súbito, se vê guindada a uma outra - a de trabalhador não rural, operário em grande parte, que de imediato adota outro comportamento, outras referências, e adquire outros valores.

E esta mudança seria óptima, já que longe está essa época aqui referida como época de escasso trabalho, escassa “roupa de agasalho”. Portanto essa ascenção, se assim se lhe pode chamar, seria óptima. Seria mas não é, lamentavelmente.

Basta determo-nos no espeto cultural desta classe vinda sobretudo de famílias de muito escassos recursos financeiros e que de súbito se vê a braços com um maior poder de compra, mas indefesa perante o assalto das “mil imagens da publicidade” cujo brilho a ofusca, deixando-se arrastar pela onda de consumismo, que a ameaça submergir irremediavelmente.

E assim, tomada de um consequente desejo de ostentação, cujo nível máximo é, depois da motorizada, o carro, vão os mais novos voltar a pegar em livros relacionados com o código da estrada, que o exame é puxado, e por essa leitura se ficam.

Tirada a carta, procuram obter um carro, com o apoio da família, um carro o mais espectacular possível, espartilhando, para o efeito, até ao extremo limite, as finanças do agregado familiar.

De posse do carro atiram-se à estrada, pelas tardes de domingo, passeiam. Continuam porém a desconhecer a existência de museus e monumentos, nada sabem da história do seu concelho e ignoram atos culturais. Mas sabem, isso sim, o nome de restaurantes, churrasqueiras e cafés.

Os mais jovens correm a namoriscar, não por romarias e terreiros, à luz do sol, como faziam os seus pais e avós, mas antes na semiobscuridade de uma dessas discotecas apressadamente construídas, de discutíveis condições de segurança e conforto, quase sempre em locais mais ou menos ermos, perto da estrada. E aí, durante horas, sofrem no corpo o desgaste que a poluição sonora, o tabaco e até o álcool, quando não outros males maiores, provocam.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 
9-7-92

Ignorantes dos benefícios do sol, que desprezam, nessas tardes domingueiras, se prejudicam a saúde do corpo, a do espírito é igualmente atingida porque traz como consequência o stress, as angústias, as insatisfações. Mas a culpa não é só deles, convenhamos. Foram apanhados de surpresa, assediados por toda a castra de publicidade que lhes cobiça os escudos, seduzidos pelo écran de televisão e pelo vídeo que começam a comprar também, porque outros compraram já. E quase sem dar por isso entram em competitividades mesquinhas, em ostentações de uma abastança que por vezes não corresponde ao real. Mas a culpa não é só deles. A educação de um povo é sempre demorada e difícil, se não for prevenida a tempo. E quando, como acontece agora, o corte abrupto com as leis ancestrais se dá, o seu comportamento altera-se, e quantas vezes entra em desequilíbrios, porque as raízes foram abaladas. Essas raízes que fundo mergulhavam na terra dos seus antepassados e lhes permitiam resistir a todos os ventos adversos e os mantinham aprumados com autenticidade, firmeza e harmonia.

Sem comentários:

Enviar um comentário