sábado, 16 de julho de 2016


O Monte de Santo André, em Cambeses, talvez pela sua vertente voltada a norte, nunca foi procurado por quem tencionasse construir a sua casa de habitação. No entanto, e ao que me contam, eram muito utilizados os caminhos que levavam a Braga e outras localidades, caminhos úteis para quem não queria ou não podia atravessar o pequeno e bonito rio Este, que no inverno se tornava, por vezes, tão poderoso e ameaçador que era quase impossível atravessá-lo.

É desse monte portanto que se avista grande parte da freguesia, agradável de contemplar ainda hoje, se se conseguir ignorar o infeliz rio Este, que a incúria de todos nós deixou assassinar. E é igualmente um prazer passear pelos caminhos tranquilos do Monte e dali contemplar Cambeses, do alto do Monte do Bom Jesus até à estrada que o separa das veigas da beira-rio, agora ricas de folhagem para as vacas turinas, ricas de pujantes milheirais. E olhando-se todo esse cenário de casas afogadas em verdura, imagina-se ver ainda os bois possantes, amarelos, puxando carros pesados ou ruminando nas cortes sob as casas.

Bois amarelos já quase não existem, julgo eu. Carros de bois, esses talvez haja ainda, mas praticamente já não funcionam, tal como os arados que enferrujam num canto qualquer, a par da grade e da arabeça.

Hoje, fala-se muito de cultura regional, de etnografia, antropologia. E falam os pessimistas em perda de identidade, adulteração de costumes e outras coisas mais que as mudanças sempre trazem. De facto a mudança, a nível das aldeias, é por vezes muito acelerada, quase radical. Quem saberá, daqui a uns anos, o que é um arado de ferro ou uma arabeça? E um jugo rendilhado? Quantas rocas haverá ainda na freguesia? E esses teares manuais onde se teciam mantas e peças de linho? E no que respeita à música? Havia quem, em Cambeses, tocasse viola, violino, flauta, cavaquinho talvez. Onde param esses instrumentos musicais que, em conjunto, numa tuna, alegraram as novenas do Menino? Muitas outras peças haverá, cujos possuidores talvez não se importassem de as oferecer para museu, porque aí ficariam mais protegidas e expostas à admiração dos visitantes.

Freguesias há, nomeadamente no Concelho, que já criaram o seu pequeno museu, pertença da comunidade. Porque não há de Cambeses criar o seu, se tem gente capaz de, por amor à sua terra, dar vida a um qualquer projecto do género? Por isso mesmo voltei a falar aqui da ideia de se criar em Cambeses esse espaço, onde se possa instalar um pequeno museu etnográfico para que, como é lógico, os que vierem depois, numa época que será, muito provavelmente, ainda mais computorizada que a actual, saibam como viviam os seus antepassados.

E destes testemunhos materiais recolham imagens, que serão exemplo moralizador de como era possível viver-se assim, um tipo de vida difícil e trabalhosa, mas digna, autêntica, corajosa. Uma qualidade de vida aceite pela população sem prejuízo da sua firmeza de ânimo, da sua dignidade, da sua alegria de viver


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 11-6-1992

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