terça-feira, 19 de julho de 2016

Hoje, ao iniciar este artigo, veio-me de súbito à lembrança, a emoção que inesperadamente senti em Gent, cidade da Bélgica, ao deparar com um pergaminho velho, de mais de 800 anos, e que sendo cópia de um outro, datado de 1085 – 1089, ali estava diante dos nossos olhos, vindo dos “confins da Idade Média”, ou mais propriamente de meados do séc. XI, e era o Censual de entre Lima-e-Ave, do Bispo D. Pedro. Estava integrado numa das exposições que constituíam esse festival que foi orgulho de todos os portugueses que o visitaram e se chamou “Europália”.

Nesse manuscrito, em letra carolíngia, sobre pergaminho, havia uma extensa lista de terras situada entre o rio Ave e o Lima, e muitos eram os visitantes estrangeiros que sobre ele demoravam o olhar, embora não conhecessem, muito possivelmente, a língua em que essas palavras estavam escritas. Palavras em grande parte legíveis, não só porque do nome de terras nossas conhecidas se tratava, mas também porque estavam ao alcance dos nossos olhos. Outras porém estavam ocultas porque parte desse longo pergaminho estava enrolada. Entre esses nomes estaria Cambeses, ou melhor, estava Cambeses.

E digo “estava” porque, como se sabe, Cambeses existia já quando os pais de D. Afonso Henriques se tornaram senhores dessas terras. Se assim não fosse, D. Afonso Henriques não poderia ter doado Cambeses ao Arcebispo D. Paio Mendes, em maio de 1128. Daí poder dizer-se, sem pecado de exagero, que Cambeses é mais antiga que a própria nacionalidade, porque quando da fundação do reino, Cambeses seria já terra povoada, com o seu “modus vivendi”, as suas leis, leis que obviamente seriam alteradas com a passagem a couto da Sé de Braga. E tudo leva a crer que Cambeses, apesar de algumas vicissitudes, sobretudo no século XIV, a que poucas terras escaparam, soube conservar, ao longo dos séculos, uma boa qualidade de vida.

E falar dessa qualidade de vida no passado é, fatalmente, evocar a qualidade de vida do presente. E quanto a esta, apesar da escola com todos os requisitos modernos, há pouco inaugurada, apesar dos bens materiais largamente ostentados por uns quantos, e das mais diversas formas, por oposição àqueles que se empenham em manter viva a sua cultura ancestral (um exemplo bem vivo é o funcionamento ativo da Confraria do Senhor dos Passos), a pergunta fica no ar: - como é, na realidade, a actual qualidade de vida em Cambeses?

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 16-7-92

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