segunda-feira, 18 de julho de 2016

Não vou perder tempo a lamentar a passada qualidade de vida, já neste século, em Cambeses, nem responsabilizar quem já não pode ser responsabilizado pelo estado de letargia em que Cambeses, até há bem pouco tempo, viveu. Não o faço por duas razões. A primeira é por conhecer a inutilidade de se “chorar sobre o leite derramado” e a segunda é por não se verificar já, felizmente, esse estado letárgico em que durante tanto tempo Cambeses viveu, porque abandonado pelo Poder.
Uma aldeia sem luz eléctrica, sem nenhum telefone, com uma estrada intransitável, por onde raros automóveis se aventuravam. Não fora a passagem certa dos comboios e nenhum sinal de progresso ali haveria, a não ser a centenária escola.

Mas sem querer cair em sentimentalismos piegas nem em bucolismos românticos, não posso deixar de evocar, com uma certa emoção o “modus vivendi” da população de então e de me colocar muitas interrogações quanto ao de agora.

Nessa época, era escasso o trabalho, escasso o pão, escassas as roupas. Os casos de extrema miséria, por uma razão ou por outra, existiam em Cambeses, tal como noutras terras. Os pobres e os remediados – porque ricos, não os havia – viviam cada hora do dia com dignidade, sem merecerem o apodo de infelizes ou desgraçados, porque os produtos da terra - do milho ao linho, das hortas à lã das ovelhas – satisfaziam os pequenos apetites da comunidade.

Não sabiam da existência de batatas fritas em pacote, mas sim das batatas cozidas e por eles cultivadas. Não sabiam da existência de gelados e margarinas, mas sim de ovos frescos e do leite que as cabras, e uma ou outra vaca, sempre ia dando. Comer regueifa era uma festa, comer boroa sinal de fartura. Não sabiam igualmente da existência das bananas e do ananás, mas sim da fruta colhida e quanta vez sorripiada, a partir das primeiras cerejas bravas das altas cerejeiras, às últimas castanhas apanhadas em novembro, pouco antes das primeiras ácidas laranjas que dezembro sempre trazia.

E porque assim era, e de outro jeito agora é, as interrogações continuam vivas acerca do que há neste quadro de vantajoso ou inútil, saudável ou prejudicial, certo ou errado.

Quem responderá?

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 18-6-1992

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