quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Vou novamente falar desse estabelecimento hoteleiro de Goa que é o Leela Beach, o qual sendo do nível de muitos bons hotéis que há pelo mundo fora, teve para nos oferecer algo de especial. Algo mais do que a tranquilidade que ali se pode usufruir. Algo que não tem a ver com o conforto e o bem-estar de um hotel como aquele, onde os hóspedes de várias raças e nacionalidades deixam o tempo correr livremente sem tédio, porque se desejarem o ambiente citadino basta tomar um táxi.

Ao referir-me a esse hotel, quero realçar algo diferente que aí nos foi oferecido e se relaciona com a simpatia. Não essa simpatia profissional, de alto preço, mas antes uma outra mais sólida, mais autêntica, prolongamento de um espírito fraterno que em Goa se experimenta, e continua vivo e atuante, apesar das convulsões políticas. É algo vindo do fundo da História, que nos fala de amizade, de laços de sangue, de mãos que se encontram, e que aí esteve presente de tal modo que, desde o primeiro instante, nos sentimos privilegiados. Não pelos dólares, que não seriam tantos assim, mas antes por algo diferente, que viria reforçar as primeiras impressões colhidas logo à chegada.

Impressões e imagens de entre as quais se destaca a do pessoal da receção do hotel, alinhado à entrada, sorridente, à espera de nos dar as boas vindas e os colares de flores que depois nos colocaram ao pescoço, bem como na testa a pinta vermelha carregada de simbologia. E a música portuguesa, na voz do rapaz da viola, cantando em português para nós, quando já sentados no amplo salão da receção, tomámos contacto com o específico paladar do leite de coco, servido do fruto, que uma branca flor de hibisco embelezava.

Atenções que poderiam ser apenas fruto de um bom profissionalismo, se essas atenções não continuassem a elevar-se em muitas pequenas gentilezas que ultrapassavam essa situação, as quais culminaram com um jantar oferecido pelo hotel, representado na pessoa do seu administrador, de nacionalidade americana, o qual veio de mesa em mesa cumprimentar-nos um por um e desejar-nos continuação de boa estadia. Atitude profissional gentil, que em minha opinião se alicerça nessa verdade irrefutável que é a da amizade que, a despeito de correntes contrárias, continua a existir entre Portugal e Goa. Daí que esse jantar ficasse memorável, por todas essas gentilizas e também pela corrente de empatia que depois se estabeleceu entre o público, que éramos nós, e os artistas de variedades que vieram animar o jantar e, em improvisado palco, embora tivessem cantado profissionalmente em inglês, para alguns dos hóspedes do hotel, que conosco aí estavam e também passaram, a determinada altura, a falar português e a cantar quase só música portuguesa, desde folclore à música pop. Corrente de empatia que se transformou em entusiasmo e atingiu o rubro quando o apresentador do programa soltou o seu primeiro “Viva Portugal!”

Foram momentos indescritíveis, vividos até final nesse vasto recinto iluminado pela luz das lâmpadas e pela dos archotes, num chão de areia perto do mar, onde nada mais parecia existir a não ser portugueses de Portugal e seus familiares de Goa, unidos num abraço de muitos séculos.
Entusiasmo que só terminou quando os músicos exaustos por ter excedido em tempo o programa, se substituíram por música gravada, o que, como se compreende, fez abrandar a força da corrente de empatia que insistia em se manter indefinidamente.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 17 – 11 – 1994

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