quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Há quem, referindo-se a Goa, se detenha a enumerar os vários erros da colonização portuguesa, e um deles é o facto de se ter construído mais igrejas do que escolas (li isso ainda há pouco) esquecendo-se o articulista de que é errado avaliar factos antigos à luz da civilização actual, porque cada época tem os seus valores, e estes que agora nos parecem justos, talvez não sejam como tal considerados daqui a um século ou talvez menos.

Igualmente a colonização portuguesa em Goa é acusada de não ter desenvolvido economicamente esse território, tanto mais que, sabe-se, o seu subsolo é muito rico em minério. Mas se isso é verdade, é também verdade que não delapidou esses bens, tal como outros colonizadores fizeram nas terras que ocuparam.

Esses bens estão lá e começam agora a ser explorados pelos goeses, como por exemplo as minas de ferro a céu aberto, que tivemos ocasião de observar de longe, minas onde actualmente trabalham largas centenas de indianos, milhares talvez, delas se extraindo o minério que barcos transportam pelo rio até ao Porto de Mormugão, esse porto tão profundamente ligado à presença portuguesa por aquelas bandas.

Minas de grande produção – disseram-nos – elas são propriedade quase exclusiva de um só homem, que tivemos oportunidade de conhecer, o qual detém cerca de 90% das acções, segundo nos confidenciaram quando, pouco depois da nossa chegada, um amável convite, seu e de sua mulher, nos chegava às mãos. Um convite para um jantar que teria lugar na sua casa, na localidade ainda hoje chamada de Vasco da Gama.

E foi fatigados ainda, e mal adaptados a esse clima densamente húmido e quente que, no dia seguinte ao da nossa chegada, tomámos lugar, ao anoitecer, nos autocarros que haveriam de nos conduzir até à residência de Mister Salgaocar e esposa.

A casa, de linhas modernas, muito ampla, entre extensos relvados e jardins, não nos surpreendeu quanto à sua imponência, porque era mais ou menos assim que a imaginávamos. Tanto mais que nos haviam dito ser ele um dos homens mais ricos da Índia, no que, admite-se, talvez de grandezas e misérias, terra de extremos, há como se sabe miséria intensa e fortunas colossais. Mas mesmo admitindo que, em vez da Índia, fosse dos homens mais ricos de Goa, era sem dúvida riquíssimo, para mais casado com uma das herdeiras mais ricas da sua geração.

Mas, devo dizê-lo, não foram as suas riquezas que nos impressionaram. Foi, isso sim, a simplicidade do jovem casal que além de ser jovem, era belo e simpático. Inteligente, muito possivelmente, o qual nos recebeu com essa simpatia própria de quem sabe as regras da cortesia e as põe em prática de modo muito simples.

E, de facto, quem observasse aquele homem em mangas de camisa, à ocidental, de sorriso simples, ao lado da sua elegante esposa (de sari, como seria de esperar) recebendo-nos amavelmente, preocupando-se com os cocktails que nos foram servindo até à hora do jantar, não poderia imaginar ser aquele um dos homens mais ricos, senão da Índia, pelo menos de Goa.


Atitude que mais nos impressionara, ainda, se compararmos esse comportamento com o de alguns dos novos ricos que por cá se julgam (problema de imaginação exacerbada) senhores de meio mundo, os quais muito teriam a aprender com este exemplo vivo do que é ser rico e aceitar a riqueza com humildade ou, pelo menos, sem desastradamente ou intencionalmente humilhar os outros, aqueles que, por qualquer razão, nunca tiveram mais do que tostões contados, um a um.


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 12 – 1 – 1995

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