quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Numa destas tardes domingueiras, aqui em Cambeses, ao folhear distraidamente uma dessas revistas que falam da moda feminina, vieram-me à ideia as mulheres de Goa e os belos saris que quase todas usavam.

Vi-as de sari a trabalhar no campo, mancha colorida nas extensas planícies de terra seca, amarelada. Vi-as nos vales, entre montanhas, nos pequenos campos de arroz, a ceifar manualmente a segunda colheita do ano. Vi-as carregar cestos à cabeça, vi-as na berma das estradas por onde circulávamos frequentemente. Vi-as pelas feiras ou pelas praias, tentando vender bugigangas aos turistas ocidentais.

Vi-as em Pangim, nas scooters como penduras, sentadas de lado, as sedas garridas esvoaçantes como asas coloridas de borboletas. E vi-as conduzindo elas próprias a scooter, como se em vez de sedas usassem jeans. E vi-as nas receções oficiais, usando-o com uma distinção e elegância que só elas o poderão conseguir.

Curiosamente uma das primeiras mulheres goesas com quem tive oportunidade de conversar no dia da inauguração do Consulado de Portugal em Goa, era uma senhora de sari verde, de cabelos já grisalhos, que falava correctamente o português, e cujo nome era, como o de tantos outros, português também. Além de médica, era presidente do instituto Indo-Português onde, sem qualquer apoio governamental, contra ventos e marés, ensinavam como podiam a língua portuguesa e estavam a preparar um curso de culinária portuguesa, tendo-me confidenciado haver muitos jovens que desejavam aprender o português para estabelecer contactos, não só com Portugal, mas com todo o mundo lusófono.

Mulher igualmente muito interessante, culta e simples, foi uma outra que dias depois conheci num jantar, numa outra localidade goesa. Médica também, e professora universitária, disse só usar o sari em ocasiões especiais como aquela, porque no uso da sua profissão, o sari não lhe deixava os movimentos livres, como é de calcular.

São modelos de vestuário feminino que, à parte um ou outro pequeno pormenor, não se alteram de uma geração para outra e são fáceis de confeccionar, segundo julgo.

Mas o maior conjunto de saris que me foi dado observar teve lugar num casamento hindu, no famoso templo Shiri Mangesh, ao lado dessa belíssima torre branca, conhecida por “Torre da luz”, o qual teve lugar, não na sala onde se guardam os símbolos sagrados da religião hindu, e onde os fieis se recolhem em oração, mas numa outra ala desse conjunto de edifícios, num amplo salão repleto de amigos, vizinhos e familiares dos noivos.

De toda essa assembleia, constituída por gente de idade vária, incluindo crianças, sobressaiam as mulheres com coloridos saris e flores naturais nos cabelos, a condizer com as sedas finas e leves, que usavam, daí resultando um espectáculo colorido, fascinante, ímpar.

Embora os homens se vestissem à ocidental: camisas de seda e calças escuras, o noivo, curiosamente vestido de branco, usava, a distingui-lo dos trajes ocidentais, uma espécie de estola vermelha e um especial turbante branco.

A noiva, que chegou depois, vinha toucada de flores naturais, que acompanhavam a longa trança, entretecida pacientemente, num trabalho de cabeleireira que nenhuma cabeleireira ocidental conseguiria efectuar, julgo eu, tal a minúcia e delicadeza com que as flores estavam entrançadas, juntamente com os longos cabelos. O sari era de rica seda de tons roxo, vermelho e dourado.

Pudemos assistir ao casamento por gentileza dos familiares dos noivos, que nos acolheram com simpatia. Um casamento cujo ritual, complicado e demorado, me dispenso de relatar, porque não o entendi na sua espiritualidade e, como é evidente, falar de uma religião, neste caso o hinduísmo, sem o entender, é muito delicado. Posso apenas acrescentar que era lua cheia e que nessa altura havia muitos casamentos hindus. Porque para eles a lua cheia é sinónimo de prosperidade e, sobretudo, de fertilidade e felicidade também.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 16 – 3 – 1995

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