terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Ao evocar aqui as ruas de Margão ou Pangim, não posso ignorar as chamadas “casas portuguesas”, casas de certo modo imponentes, com as sacadas a nível do primeiro andar sobre a rua e as suas portas envidraçadas, as quais começam a ser restauradas, para de novo serem habitadas.

Há porém um outro tipo de casas que abunda ao longo das estradas e que é considerado como o tipo de casa goesa. Casas pequenas, de rés-do-chão, com varanda alpendrada na frente, onde geralmente os goeses gostam de dormir a sesta.

Casas recatadas, dentro de quintais, protegidas pela sombra dos coqueiros e embelezadas por maciças buganvílias sobre os muros dos terreiros onde porcos negros de comprido focinho se passeavam calmamente como se de cães de guarda se tratasse e onde por vezes se deparava com mantas estendidas, manchadas de vermelho pelas muitas pequenas vagens de pimenta a secar ao sol, a par de outras onde os grãos de arroz da segunda colheita, colheitas pequenas, obtidas na frescura dos vales, perto da floresta, secavam tão bem. Por vezes uma ou outra vaca dormia aí pachorrentamente, como se todas as horas do dia fossem horas de dormir a sesta.

Casas graciosas, não pelo estilo extremamente simples das suas paredes e telhado, mas pelas janelas. Janelas de um modo geral arredondadas na parte superior, frequentemente pintadas de azul, com caixilharia caprichosamente recortada, sobretudo na parte superior.

Mas para além de todos esses pormenores da sua graciosidade, uma coisa havia que as tornava únicas ao nosso olhar: a distinção que no geral fazem os seus proprietários ao informar quem passa, se a família que a habita é cristã ou hindu. No primeiro caso é uma cruz colocada no jardim ou junto à entrada. E no segundo uma espécie de pequeno obelisco, algumas vezes pintado de cores fortes, com um vaso de plantas colocado na parte superior como ornamento.

Mas o que mais impressiona é a convivência entre cristãos e hindus, cada qual com a sua religião, os seus costumes, o respeito pelo outro. Exemplo vivo de como a paz é possível.

Lição de compreensão, e respeito e tolerância mutuas, que o mundo poderia aprender, se quisesse.

A propósito, lembro-me desses lamentáveis incidentes, não há ainda muito tempo, que começaram num país muçulmano, onde os hindus residentes foram de tal modo maltratados que se refugiaram na Índia, aqueles que escaparam com vida. E logo como contrapartida, os muçulmanos da Índia, sofreram as inevitáveis represálias por parte dos hindus.

Goa, porém, onde cerca de 2% da população é muçulmana, passou ao largo de todos esses lamentáveis incidentes. E se acaso os muçulmanos de Goa se sobressaltaram, o sobressalto não passou daí, e a paz continuou, como é hábito, no seu dia a dia goês.

Quantas lições não se poderiam colher deste exemplo de coexistência pacífica, deste espírito de paz e compreensão, que em Goa domina gestos e vontades.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 18 – 6 – 1995

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