quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Hoje, aqui em Cambeses, nesta tarde domingueira, soalhosa e calma, apetece-me divagar olhando os horizontes alargados pela ausência de folhagem densa que, aliás, se anuncia já, e que é repouso para o olhar e para o espírito. Por isso aqui estou em Cambeses, ou mais especificamente no lugar de Bouçó, bem perto de bouças, como o nome indica. Nome de lugar que só tardiamente começa a ser mencionado nos registos paroquiais, talvez porque só tardiamente ele surgiu, quando surgiram os pinhais que vieram substituir as poderosas matas de carvalhos e castanheiros.

Não admira pois, que o nome de Bouçó passe a ser adotado como o do lugar que abrangia até então o de Agrabom e da Vinha, hoje apenas denominativo de duas casas de habitação, tal como o de Souto, este claramente a indicar a existência dos nobres e alimentícios castanheiros que o pinheiro bravo veio expulsar das encostas, dando assim lugar às bouças. Bouças que ainda hoje largamente se estendem por lugares como Alto de Sardão, Pego, Cova da Raposa, Fontela, entre outras. Bouças onde a primavera desponta agora, nos pequenos lírios azuis e nas abrótegas com que se atapetam os caminhos em dia de visita pascal.

Bouçó “paraíso por que vale a pena ainda lutar” como me incitava ainda há pouco um amigo, companheiro das letras, portuense de nascimento e criação, e que se lamentava por não ter tido o dom de crescer num lugar como o de Bouçó, onde a Natureza se mantém quase intacta no seu estado de pureza inicial.

Bouçó, ali tão perto das bouças densas, protectoras de gaios e rolas, de escassos coelhos e raras perdizes. Bouças poderosas, guardadoras de puras águas, que alimentam fontes, poços e riachos, lugares ainda preservados (até quando?) dessa ganância e cupidez, que proliferam e matam como a peste que, no século proliferou e matou a esmo, por todo o lado, e por Cambeses também, pestes que a ciência combateu e venceu. Oxalá ela pudesse combater essas doenças que cegam os homens e que se chamam ganância e cupidez, coo já se disse, doenças extremamente perigosas, porque levam ao erro, ao crime.

Sim, porque matar um rio ou um simples riacho, poluir irremediavelmente as águas que dessedentam pessoas e animais, é um crime de morte, embora as leis não o considerem ainda como tal. Mas um dia virá, ninguém duvide, em que leis severas serão aprovadas, para punir criminosos de tal jaez. Mas isso só acontecerá quando a situação se tornar desesperada, quase sem remédio. Só que então será quase impossível a cura desse desgraçado rio Este, tal como noutras terras passam o Ave, o Leça, o Corgo.

E se uma vez mais aqui falo do rio Este, faço-o porque é o que mais afectivamente me toca, embora do mesmo me doa a igual sorte desse mítico rio da minha meninice, chamado rio Cávado.


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 6-5-1993

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