terça-feira, 2 de agosto de 2016

A propósito dos incêndios que, em cada verão, devastam milhares de hectares de floresta, lembrei-me das florestas de Goa, onde é raro acontecer um incêndio, não sei se pelas condições atmosféricas da região, se pela especificidade da flora local, se pela ausência desses motivos de suspeita que por cá se admite sem nenhum resultado.

E ao lembrar-me das florestas não posso deixar de rever, através da memória, essa paisagem variada, com manchas de densa arborização, intercaladas de extensas planuras cobertas de restolho seco à espera das chuvas de junho. E como não podia deixar de ser, revejo destacada, a imagem dos coqueiros, cuja presença é mais intensa que a do pinheiro bravo da nossa terra, uma vez que estes estão circunscritos às bouças, enquanto que os coqueiros, esses, estão em todo o lado: nas matas, nas bermas das estradas, nos jardins e terreiros, sombreando as pequenas casas de habitação, nas praias e sei lá mais onde.

Presença vulgar também é a do cajueiro. Este com a particularidade de ter sido trazido do Brasil para Goa, pelas caravelas portuguesas. O seu fruto, o caju, é de múltiplas aplicações, uma das quais é a da produção de féni, bebida densamente alcoólica, extraída desse fruto que, depois de fermentado é destilado, geralmente de modo artesanal, como tivemos ocasião de observar nas nossas andanças pelo interior.

E a propósito, diria que nos foi dado observar uma outra qualidade de féni, extraída das flores do coqueiro, as quais, cortadas as pontas, são postas a escorrer para uma espécie de bilha la no alto, até onde o encarregado dessa tarefa sobe agilmente pelo tronco, como nos foi demonstrado, para aí recolher o suco dessas flores que, depois de fermentado, será igualmente destilado, de forma rudimentar.

De todas estas árvores de frutos maiores que melões, de casca espinhosa, brotam, não dos ramos, mas do tronco nu da alta árvore, mais parecendo gigantescas deformidades. É, segundo nos disseram, um fruto comestível, depois de cozinhado, como acontece com as nossas abóboras. Das outras árvores não frutíferas, não posso deixar de salientar aquela que mais me impressionou também, a qual é conhecida por árvore das gralhas, e em concani, a língua de Goa, se chama ôôd.

Para os indus, porém, ela é conhecida como a árvore sagrada. Árvore de densa copa, dos seus ramos descem outros, os quais, como dedos sabedores, procuram a terra, penetram-na, afundam-se nela, constituindo assim novo tronco, de onde outra ôôd surgirá, chamando a si parte dos ramos do velho tronco que acabarão por morrer, ou melhor, continuarão a viver no tronco novo que, partindo dos seus ramos, criou no solo novas raízes.

Segundo uma crença muito antiga, ela mexe-se de noite, lentamente. Na sua mansidão vai estendendo os tentáculos que a fixarão à terra: futuros troncos para onde a copa fluirá. E assim sucessivamente, cada vez mais afastada do tronco inicial.

Esta explicação foi-me dada por um goês que não era especializado em nada que se aproximasse da Botânica. Não sei se ele acreditava, ou não, no que nos estava a contar. Mas nós, porque não acreditar?


Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 14-9-1995

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