domingo, 15 de novembro de 2015

Palavras do Presidente da A.J.H.L.P.

Texto de Francisco Duarte Mangas, presidente da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto a propósito de Maria do Pilar Figueiredo

A Raiz mais Profunda

Como Rosalia de Castro, décadas antes, traz para as páginas dos seus livros o drama da emigração. "Este vaise i aquel vaise,/ e todos, todos se van:/ Galicia sin homes quedas / que te poidan traballar", escrevia a poeta galega. Da banda de cá do rio Minho, Maria do Pilar Figueiredo, quando enceta a maravilhosa viagem da escrita, dessa temática povoa os seus contos primordiais. As terras pobres, algures na geografia da fome, sempre foram fornecedoras de abundante mão-de-obra barata. Galiza e o Minho partilham, como estigma histórico, da mesma doença. Terras de amos e pobres camponeses, enfim, onde os "direitos" medievais ultrapassam longamente as balizas estabelecidas pelos historiadores. A pobreza, a raiz mais profunda da pobreza, se explica por tais desvarios societários.

Maria do Pilar Figueiredo, como minhota que é e se orgulha de o ser, não podia (nem devia) silenciar as raízes, essa memória da infância a carecer de remissão, de gesto transformativo e, por isso mesmo, libertador. O Minho rural irrompe pois na sua escrita depurada, simples. Aparentemente simples. E na aparente simplicidade da escrita, tecida nessa "sabedoria telúrica e ancestral", encontramos uma das qualidades da ficcionista de cambeses, de Barcelos, de Portugal. De toda a parte. A autora de "Telha Mourisca", como bem sintetiza Alexandre Cabral, "segue a linha admirável de legar à posteridade o retrato minucioso das nossas aldeias onde estão fixadas as belas e por vezes severas e rudes paisagens, e também a humanidade que as povoa e lhes dá vida." Nos seus versos, Rosalia de Castro, para voltar ao início, também convoca o povo das aldeias galegas, as suas alegrias frugais, os seus "campos de soledad", as Viudas de vivos e mortos / que ninguém consolará." Trazer à luz uma realidade, o acto em si de partilha, assume desde logo sentido transformativo. Mostro-te a fome, a solidão, a injustiça derramada na pobre gente: e tu, leitor, a partir deste momento jamais poderás alegar ignorância.

Quando me pediram este breve depoimento sobre Maria do Pilar Figueiredo, de imediato me surgiu no pensamento a autora de Cantares Galegos e Folhas Novas. Entre as poéticas de Rosalia e de Maria do Pilar existem, sem dúvida, muitos pontos de convergência. E não é só o facto do género, de terem nascido numa geografia da fome, dividida pelo rio Minho, e partilhado uma língua de raiz comum. Há algo mais profundo, mas isso é labor de estudioso de outras artes - eu sou apenas amigo da autora de "Horizontes de Bruma"

Conheço a homenageada desde o tempo em que ela exercia funções directivas na Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Início dos anos oitenta do século passado, se não me falha a memória. Não a vejo faz tempo: nem em Vila do Conde, nem no Porto. Há meses, um jovem sociólogo e investigador meu amigo, Bruno Monteiro, falou-me de um autor maldito, quase caído no esquecimento. Esse meu amigo referia-se a Alfredo Carvalhaes, "estranho literato" (nas palavras de Joaquim Domingues) nascido em Barcelos. Nesse dia, além do "estranho literato", descobri uma nova faceta da autora de "Tempo Matinal": a de biógrafa. Pelo Bruno fiquei a saber que, no ano de 2002, Maria do Pilar Figueiredo publicara uma biografia de Alfredo Carvalhaes. Fiquei contente com a notícia. E darei outra que deixará, por certo, Maria do Pilar e o auditório não menos contentes: a Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto espera, em breve - com apoio da autarquia de Barcelos - editar, na colecção Memória Perecível, uma antologia da obra poética de Carvalhaes.

Quem evoca os filhos mais queridos, nunca será esquecido. A cerimónia de hoje encerra essa simbólica grandeza. Cambeses agradece à escritora que nunca esqueceu a sua terra, a raiz mais profunda. Os minhotos são assim.

Francisco Duarte Mangas

13 de Novembro de 2015

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