quinta-feira, 25 de maio de 2017

MINHAS AVÓS – Memórias

Elas sobem a corrente. Perdem-se a montante
Entre soutos, carvalhais e prados,
Soltam cantigas brejeiras
E risadas de água fresca
Folguedos de romaria…
Lenços de cor as enfeitam
E em noites de espadelada
Sonham com bragais de linho
Cordões de ouro, arrecadas…

Minhas avós diligentes construíram pedra a pedra
A casa, o forno, a lareira,
Seus passos ainda ressoam entre as hortas e a eira
No chão duro da cozinha,
Gestos de pão repetindo.

As minhas avós são belas, faces de milho ceifado
Nos olhos o sol da eira
Nas mãos ternura de brisa. Ou fúrias de ventania.

As minhas avós são fortes.
Se a tempestade as derruba, logo se erguem Sozinhas,
De punhos cerrados a enfrentam.

As minhas avós são sábias, Sabem do pão e do vinho
E das barrelas do linho. E sabem de benzeduras,
De preces e esconjuros.

As minhas avós são férteis.
Parem de dois em dois anos. Às vezes um pouco menos.
De seis em seis vai-se um filho. Às vezes um pouco mais.
Usam de recato na dor.
E em mal contida ternura esboçam mudas carícias,
Essas que o olhar desvenda no doce embalar do berço…
Cantam penas? Cantam risos?

Penélopes elas são. De tormentos sabem bem.
E de muitas fomes contidas e sedes mal apagadas.
Em branda melancolia evocam longes Brasis,
Partilhando solidão e cinzas que o vento não quis.

Minhas avós-coragem, p’la dor derradeira esperando
Não sabem de metafísicas, angústias existenciais,
E não rejeitam o eco da primeira dor sofrida,
Essa dor em que nasceram.

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