terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Uma das imagens que de Goa trouxe comigo é a dos seus rios, e entre os quais não posso deixar de evocar o Rio Sal, rio pacífico e lento, semeado de ilhotas, a desenrolar-se em curvas caprichosas, que por vezes o colocam paralelo ao mar.

E foi precisamente num desses lugares entre mar e rio, já perto da sua foz que, há poucos anos ainda, se fez erguer um amplo complexo hoteleiro, o qual se enquadra perfeitamente na paisagem, e uma das razões é ter sido construído, não em altura mas em extensão, daí resultando uma série de pequenas “villas” que mais não são do que amplos quartos com portas directamente para o exterior e varanda aberta sobre as águas límpidas de lagoas artificiais, orladas de buganvílias polícromas, cujos ramos se estendem até às varandas, numa tentativa de suavizar, através desta imagem de frescura e cor, a elevada temperatura do ar, causticante em algumas épocas do ano.

Foi portanto num local onde ainda há poucos anos se agitavam coqueiros e rastejavam cobras por entre ervas duras, que o complexo hoteleiro foi construído sem essas agressões pseudo-arquitectónicas que por cá destruíram já tantas paisagens naturais. E se outra imagem não me ocorresse para reforçar o que aqui se afirma, bastaria evocar a asfixiante Albufeira dos nossos Algarves.

Mas voltando a Goa, a esse complexo hoteleiro, o Leela Beach (passe a publicidade) que me impressionou, não pelo conforto nem pela eficiência do pessoal que, diga-se, estava à altura de um hotel daqueles, mas sim pelo respeito havido pela paisagem envolvente, onde até a cor das construções, o rosa forte, tão ao gosto dos goeses, foi adotado. E um respeito muito especial pela flora local, onde os coqueiros continuam no lugar de sempre, havendo o cuidado de substituir aqueles que, pelas leis da Natureza, vão acabando.

A prova disso é a profusão de coqueiros muito jovens ainda, com frutos quase ao alcance da mão, que dão sombra e frescura às cadeiras em redor das piscinas onde, preguiçosamente, se deixava o tempo correr, e se não havia compromissos que nos obrigassem às necessárias deslocações, ou não apetecia ir até à praia, ali bem perto. Essa praia, antecipada por mata de antigos coqueiros, percorrendo comprida área orlada de coqueiros, boganvílias e tapetes de flores rasteiras, cujo nome desconheço.

Por esta razão, mais que as comodidades que a arquitectura do hotel oferecia, comodidades que em qualquer lugar do mundo se poderá encontrar, impressionou-me este respeito pela Natureza, esta valorização de riquezas sem preço como o são as árvores, por exemplo.

Atitude essa que não surpreenderá quem se detenha a observar o que, de um modo geral, se passa por todo o território goês, ou seja, um claro respeito pelos bens que a Natureza gratuitamente oferece. Um princípio por que se rege a vida naquelas paragens, princípio este que a nossa civilização ocidental parece ter esquecido.

Crónica publicada no Jornal de Barcelos de 27 – 10 - 1994


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